sábado, dezembro 28, 2013

Com um trabalho nem sempre percebido, os roadies fazem os shows acontecerem


Quem vai a um show, vê a banda subir ao palco, empunhar os instrumentos e fazer centenas de pessoas cantarem juntas uma dúzia de músicas talvez nunca tenha parado para pensar no trabalho que dá fazer isso tudo acontecer. E muito menos nos responsáveis por essa árdua tarefa. Escondidos atrás de imensas caixas de som, suados e prontos para resolver qualquer contratempo, os roadies são fundamentais para um grande show funcionar, e o serviço começa muito antes de as estrelas da noite aparecerem.
Com um sorriso no rosto e disposição de sobra para deixar tudo pronto até a hora de a banda se apresentar, Guilherme Censi, Luciano Carvalho e Joel Santos, roadies do Dazaranha, têm uma jornada puxada em dia de show. “Começa por volta do meio-dia, quando saio de casa e vou para o estúdio carregar o equipamento no caminhão. Aí só volto às 7 horas da manhã do dia seguinte, depois de descarregar tudo novamente”, conta Guilherme, que está com o Dazaranha há sete anos. Depois de trabalhar com vários músicos e inclusive ter feito uma turnê com uma banda americana, Guilherme passou de fã do Dazaranha para funcionário, e leva a sério o ofício: fez um curso de áudio em São Paulo e vive somente disso.
Apesar de todo esforço braçal e de quase nunca serem reconhecidos pela plateia, eles não reclamam e gostam do que fazem, mas nem por isso escondem seus sonhos. “Eu também tenho uma banda, toco baixo e quero um dia lançar um disco”, afirma Luciano enquanto mexe em um emaranhado de cabos. A tentativa de fazer parte de uma banda – na linha de frente, claro – também já passou pela vida do veterano Joel, que trabalha com o Dazaranha há 17 anos.  “Já tentei ter uma, mas não deu certo. Hoje me contento em ficar atrás dos palcos”.


Staff assediado
Por viverem sempre ao redor das bandas, às margens do palco, e dessa forma serem mais acessíveis aos fãs, a atenção dos roadies às vezes acaba até mais concorrida que a dos próprios músicos. “O assédio é bem grande para tentar entrar no camarim depois do show, mas essa é a hora em que a gente mais trabalha, para tirar tudo do palco”, conta Guilherme. “Quando eles (os fãs) vêm falar contigo tu já sabe que é porque querem falar com os músicos. A gente é invisível”, dispara Joel.
Jarbas Mattioni, que passou de roadie para produtor da banda Os Chefes, também procura não dar muita bola para os tietes nessas horas. “Tietagem sempre tem, mas procuro não dar muita abertura, por causa da concentração no trabalho, tem que ser frio”.
Mas se a maioria não dá trela e nem confiança à aproximação dos fãs, especialmente as do sexo feminino, há quem vire a situação a seu favor. “Nessas horas eu aproveito para beijar na boca”, brinca Saulo Rodrigues, roadie da banda Iriê.

Trabalho 1 x trabalho 2 
A vida de roadie, apesar de prazerosa e na maioria das vezes até divertida, nem sempre cobre todas as despesas da casa. Por isso, a maioria deles encara mais um ofício, sempre tentando driblar o tempo e conciliar as duas atividades. Quando não está viajando de van pelo interior do Estado junto com Os Chefes, Jarbas trabalha em uma imobiliária, e antes mesmo de ser contratado, combinou com seu chefe: em algumas ocasiões teria que sai mais cedo, chegar mais tarde e até mesmo faltar trabalho para acompanhar a banda nos shows, que são na maioria das vezes fora de Florianópolis.
Há pouco mais de dois meses trabalhando no almoxarifado de uma empresa, Saulo até agora não precisou fazer grandes malabarismos para acompanhar o Iriê sem correr o risco de perder o emprego.  “Sempre consegui conciliar, além de sair do trabalho cedo, às 17h, os shows normalmente são nos fins de semana, então é mais tranquilo”.
Para Luciano o ajuste consegue ser ainda mais fácil. Como atua em uma microempresa familiar, a liberdade de horários é maior. “Trabalho na produção de doces de festas junto com minha mulher e minha sogra, então fica mais fácil de conciliar”.

Contos de um roadie na estrada
 “Uma vez resolvi pregar uma peça em outro roadie da banda. Estávamos em um hotel em outra cidade e fui tomar o café da manhã depois do show, ainda antes de dormir. Quando já estava terminando, o Silvio César (o outro roadie) desceu para tomar o café também, e começou a comer muito, muito mesmo, sem parar, nem respondia o que eu perguntava.  Eu queria conversar sobre algumas questões do show e ele não falava nada, então cansei de tentar uma conversa e fui pro quarto. De lá eu liguei para recepção e pedi para passaram a ligação para ele. Fingi que era da gerência do hotel e disse que estava monitorando o café da manhã dele, falei que ele já tinha extrapolado a cota e que seria cobrada uma taxa de R$ 75 pelo que ele comeu a mais. Não deu nem dois minutos e ele entrou no quarto correndo, apavorado porque ia que gastar parte do cachê com aquilo”. Saulo Rodrigues, roadie do Iriê

“Uma vez estávamos indo para um show em Criciúma, quando ainda viajávamos de ônibus com todo o equipamento, e não de van, e ele quebrou em Tubarão. Começou a encher de fumaça e nós achamos que ia explodir. Tivemos que chamar um transporte, um caminhão, para levar tudo para Criciúma, inclusive nós mesmos. Então fomos todos para lá. Carregamos o equipamento para o show e na volta tivemos que descarregar tudo nos quartos do hotel, porque não tinha onde deixar. Na volta para Florianópolis viemos numa van, entre nove, mais o equipamento”, Jarbas Mattioni, produtor e ex-roadie de Os Chefes .


Publicado no jornal Notícias do Dia.