quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Reportagem: O ritmo underground da Jamaica

Não fosse por um casal, formado por um negro robusto e uma loura de feições simpáticas, dividindo uma mesa próxima ao palco, e mais uma animada garota de calça estampada dançando sozinha no lado oposto, eu diria que o DJ estava colocando música para um bar vazio. Tudo bem que era uma quinta-feira e o relógio do meu decrépito celular ainda nem marcava meia-noite, mas antes de chegar eu imaginei encontrar outro cenário. Nada que fosse tirar o entusiasmo do DJ e toaster Wilson de Jesus Guichabeira, mais conhecido como W SoulJah, que induzia seus pesados dreadlocks junto com o frenético movimento corporal.

Alguns notívagos fumavam qualquer-coisa escorados na cerca de madeira instalada na areia da praia – vista que o bar proporcionava –, e outros começavam a dar as caras no ambiente peculiar onde W SoulJah reinava absoluto. Marcela, a encantadora garota de cabelos cacheados e calça estampada, agora sacudia no ar dois malabares cobertos de tecido e fitas coloridas, enquanto a voz do toaster acompanhava o som saído das caixas de som em alguns improvisos.

– Se você quiser pode chegar e dançar – Cantava o enérgico W SoulJah.

O som que toma conta do ambiente não é nada parecido com o que se ouve
normalmente por aí. Trata-se do dub, estilo criado na Jamaica na década de 60, que injeta batidas de bateria e impetuosas linhas de baixo e efeitos sonoros em ritmos como o reggae. Por cima do compasso instrumental, os toasters criam as mais variadas e expressivas rimas, em uma vaga lembrança ao atual e popular hip-hop. A festa que rolava na fresca noite de quinta-feira, no Kwarup Bar, na praia Praia Brava, trazia no flyer o número 1. Era a primeira festa dub promovida por aqui. E certamente não seria a última.

Mais do que um simples estilo de música, o dub é para os jamaicanos uma filosofia, uma forma de conhecer e misturar sons e efeitos diferentes. Há cerca de cinco décadas, quando o dub dava seus primeiros suspiros, quase não havia tecnologia para tanto experimentalismo. Hoje, porém, mesmo com as mais modernas técnicas disponíveis, o estilo ainda é pouco conhecido no Brasil.

– Por isso eu resolvi fazer essas festas. Já tava de saco cheio de ouvir esses reggaes de cachoeira – Desabafou Wilson alguns dias depois da festa, já pensando em como será a próxima.

Cultivando boas ações

– O que era aquele negócio que tu tava girando no ar antes? – Pergunto para Marcela após saber seu nome e explicar o que eu fazia por ali.

– Ah, aquilo? É um swing. Tu podia falar com aquele cara lá, ele é jamaicano – apontava Marcela animada para o negro sentado próximo ao palco, que agora trocava carinhos com sua companheira de mesa – E depois vai ter uns caras muito legais aqui!

O swing, vim a saber mais tarde conversando com Wilson, são duas bolinhas feitas com grãos de arroz envoltos por um plástico. Depois de prontas, as bolinhas de arroz são revestidas com um tecido que é trançado, formando então um pêndulo.

– E aqueles foram confeccionados por ela mesma – Explicou-me Wilson, pacientemente.

Durante seus meneios e improvisos, W SoulJah informava ao seu público ainda modesto que a atração principal da noite logo estaria ali. Eram os tais caras legais mencionados por Marcela momentos atrás. Uma dupla paranaense de Sound System influenciada diretamente pelo dub, o Cidade Verde Sound System.
Não demorou até surgir ao lado de W SoulJah o duo formado por Paulo Dubmastor e Guilherme Adonai. O primeiro era responsável pelo ritmo, enquanto Adonai, um rapaz que aparentava ter seus 20 e poucos anos, também de dreadloks no cabelo, circulava pelo palco com um microfone em mãos. Gente de todo o tipo agora deixava as mesas do lado de fora do bar e o cercado da praia para entrar no clima envolvente do ritmo jamaicano. Os mais interessados uniam-se intrépidos cada vez mais perto do palco e da incrível energia do cantor.

Entre os festivos, aproximou-se uma garota com várias tatuagens espalhadas pelo corpo, alguns piercings no rosto e cabelo de tom alaranjado. Visivelmente deslocada no ambiente pouco familiar, Alana me disse ter precisado da ajuda dos amigos para se vestir adequadamente ao local.

– Eu não tinha nada pra fazer, aí falaram que ia ter isso hoje aqui. Eu nem sabia o que vestir! Tava com uma blusa cheia de tachas, mas não me deixaram sair de casa daquele jeito.

O som alto e ritmado promovido pela Cidade Verde quase obriga as pessoas a não ficarem imóveis. As letras cheias de personalidade, quase um manifesto, são reflexo direto da vida da dupla. A plenos pulmões, Guilherme Adonai canta que rejeita quem tenta mudar seu jeito de viver e de pensar, para em seguida falar sobre cultivar boas ações. À medida que a festa da Cidade Verde vai ficando ainda melhor, com a participação do jamaicano Eek a Mouse – o negro robusto – e do próprio W SoulJah, ela chega ao fim, deixando no ar a mensagem positiva e a mistura das energias díspares do público que os prestigiava.

Publicada no jornal universitário Cobaia - Escrita para a disciplina de Jornalismo Literário

Por Juliete Lunkes