terça-feira, maio 17, 2011

Reportagem: Sambaquis: o passado sob a terra

O passado sob a terra

Era final de 1969 e o terreno próximo ao mar localizado na praia de Cabeçudas, em Itajaí, parecia ideal para a construção de um Iate Clube. Durante o lançamento dos fundamentos onde o novo empreendimento seria instalado, alguns objetos curiosos foram encontrados sob o solo. Eram restos de esqueletos. As escavações para descobrir o que mais poderia haver no local começaram em seguida, e em 1971 veio o registro oficial: o primeiro sambaqui do município de Itajaí havia sido encontrado. Foi batizado de Sambaqui Balneário de Cabeçudas.

Na origem tupi sambaqui significa “amontoado de conchas”, mas não é só isso o que podemos encontrar neles. Embora realmente haja predominância de material conchífero, nesses sítios arqueológicos típicos de áreas litorâneas há também artefatos primitivos de pesca, pontas de flechas, objetos de arte, utensílios domésticos, além de ossadas humanas e de animais.

Os sambaquis possuem geralmente formato semelhante ao de uma colina e são facilmente encontrados na costa do Oceano Atlântico, próximos as fozes de grandes rios. Inicialmente eram reconhecidos apenas como um aglomerado de conchas trazido pelas altas marés. Hoje em dia, o material encontrado neles é uma importante fonte de informação e pesquisa sobre os antigos povos que habitavam a costa brasileira.

No Brasil, os sambaquis estão espalhados por diversas regiões litorâneas, da Bahia ao Rio Grande do Sul e também e em algumas regiões da Amazônia. Entretanto, o maior número de sambaquis – e também os mais importantes – está concentrado no litoral de Santa Catarina.

No lugar onde foi descoberto o primeiro sambaqui de Itajaí, acabou mesmo sendo construído o Iate Clube. Todo material recuperado foi levado ao Museu do Homem do Sambaqui, em Florianópolis. Na época parecia o melhor destino para os artefatos, porém, a inauguração oficial do Museu Etno-Arqueológico de Itajaí, realizada no ano passado, fortaleceu a luta para que o material voltasse para seu município de origem. Segundo o diretor do museu, o historiador Ivan Serpa, o pedido para que esse material seja enviado ao Museu Etno-arqueologico já foi requisitado ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), mas brigas políticas atrasam o processo. “O município de Pomerode também entrou com um pedido. É uma questão técnica e política, embora Itajaí tenha o direito de possuir esse material”, explica.

O que dizem os sambaquis

Segundo o arqueólogo Darlan Cordeiro, autor do livro Conhecendo Arqueologia, através dos sambaquis pode se descobrir a cultura dos povos que viviam em um determinado local há milhares de anos. “Nos sambaquis de Itajaí, por exemplo, por meio de uma arcada dentária encontrada foi possível perceber que eles possuíam uma dieta rica em cálcio, porém, pobre em carboidratos. Os dentes não possuíam cáries, mas eram bastante desgastados”.

Pelo material encontrado, é possível perceber também que os povos sambaquianos (povos que deram origem aos sítios) possuíam uma intensa preocupação com a natureza, não alteravam o meio ambiente para sua própria sobrevivência. Além disso, a análise de diversos sambaquis em todo o litoral mostra que os povos tinham um perfil cultural muito semelhante.

Darlan Cordeiro é superintendente da Fundação Genésio Miranda Lins, órgão do governo municipal que administra o Centro de Documentação e Memória Histórica, o Museu Histórico e o Museu Etno-arqueológico de Itajaí. Através de projetos de educação patrimonial, a Fundação Genésio Miranda Lins utiliza a arqueologia para ensinar crianças da comunidade itajaiense não apenas a história do local, mas também a cultivar bons hábitos.

Ao todo, existem quatro sambaquis registrados no município. Em 1987 foi encontrado o sambaqui Itaipava II, localizado nas propriedades de uma olaria do bairro Itaipava, próximo à margem do rio Itajaí-mirim. Mesmo com metade do sítio destruído pela ação de tratores que trabalham na retirada da argila, o Itaipava II, segundo Darlan, ainda é o sambaqui mais conservado de Itajaí. “É para lá que levamos as crianças para realizar os trabalhos de educação patrimonial”.

O sambaqui Itaipava I, apesar da nomenclatura, foi descoberto em 1996, próximo ao Itaipava II. Desse, atualmente restam apenas alguns fragmentos de conchas e ossos pela superfície. No mesmo ano, foi encontrado também o Sambaqui de Canhanduba, localizado às margens da BR 101 em uma fazenda abandonada. Espalhados por uma área de aproximadamente 150 metros quadrados, ainda podem ser encontrados alguns vestígios do sítio arqueológico.

Nos sambaquis de Itajaí não foram realizados testes com carbono 14, método que permite saber a datação de materiais antigos de até 70 mil anos. Porém, de acordo com Cordeiro, através da geomorfologia, que analisa as formas do relevo, pode-se ter uma boa ideia da datação dos sambaquis. “Analisando o nível do mar em diferentes épocas, pode-se chegar a essa conclusão. Por exemplo: o sambaqui de Cabeçudas é datado de 1.500 anos, e foi encontrado próximo ao mar. Já o de Itaipava tem aproximadamente 4 mil anos, e encontra-se há vários quilômetros do mar”.

Para Ivan Serpa, diretor do museu, os testes com carbono 14 já não são tão necessários como eram antigamente. “Quando os primeiros sambaquis foram encontrados no país, era preciso fazer os testes, pois não se tinha ideia nenhuma da datação. Mas conforme os sambaquis iam sendo descobertos, foi ficando mais fácil fazer uma aproximação através das características do material encontrado”.

Um novo olhar ao Bairro Itaipava

A instalação do Museu Etno-arqueologico no bairro Itaipava, segundo Serpa, tem ligação direta com a presença dos sambaquis no local. “É uma ligação umbilical. Quando encontraram os sambaquis, ninguém sabia muito bem o que fazer. Nos anos 90, quando o Darlan chegou a Itajaí, a situação melhorou e foi iniciado o processo de criação do museu, que é responsável pela salvaguarda dos sambaquis”.

Para os moradores do bairro, a existência dos sambaquis nas redondezas traz uma importância única à comunidade, principalmente após a inauguração do museu. Segundo o casal Alberto e Ana Rogge, que moram ao lado do prédio, o bairro Itaipava ganhou outra cara, mais atenção e também passou a ter um movimento maior. “Sempre que vem visita aqui em casa a gente leva pra conhecer o museu”, conta Dona Ana, conhecida no bairro como Ana Confeiteira. Seu Alberto, que mora na Itaipava há 57 anos - “desde que nasci”, faz questão de lembrar –, demonstra orgulho por viver em um bairro que possui tanta importância histórica para a cidade. “Itaipava ficou bem mais conhecida e agora tem mais visibilidade”.

O maior movimento no museu, segundo Dona Ana, é durante o fim de semana. “Na segunda-feira o Ivan chega, vê o caderno de assinaturas cheinho e fica bem feliz”, conta a orgulhosa vizinha. Apesar de o sambaqui não ser tão próximo ao prédio da antiga estação Engenheiro Vereza, onde está localizado o museu, os funcionários dão todas as orientações para visitantes que tiverem interesse em conhecer o sambaqui Itaipava II, que mesmo localizado em um terreno particular, é aberto à comunidade.

Por Juliete Lunkes