sábado, junho 28, 2014

Há 29 anos Santa Catarina perdia Luiz Henrique Rosa, um dos músicos mais importantes do Estado

Na noite do dia 9 de julho de 1985, uma Kombi em alta velocidade cruzava o bairro Pantanal em direção ao Saco dos Limões, em Florianópolis, quando o motorista perdeu o controle e colidiu com um carro lotado de funcionários que haviam acabado de encerrar o expediente no bar Armazém Vieira. O condutor não fazia ideia, mas naquele momento tinha acabado de tirar a vida de um dos mais célebres músicos nascidos em Santa Catarina.
Aos 46 anos, Luiz Henrique Rosa já havia conquistado tudo o que poderia querer da vida. Teve sucesso internacional, músicas que se tornaram clássicos, amigos verdadeiros e uma família feliz, mas ainda assim, durante as quase três décadas que sucederam sua morte, poucos conterrâneos souberam de sua história, conheceram suas músicas ou sequer ouviram falar de seu nome.
Membro da turma carioca formada pelo pessoal descolado da MPB e da bossa nova na década de 1960, Luiz Henrique Rosa jamais chegou a ser tão conhecido no Brasil quanto Jorge Benjor ou Elis Regina, artistas que começaram na mesma época a frequentar o Beco das Garrafas, travessa do bairro Copacabana que concentrava os bares mais boêmios da cidade. Quando chegou ao Rio de Janeiro, Luiz Henrique foi recebido pelo ídolo João Gilberto, fez um show ao lado de Elis Regina, quando nenhum dos dois era conhecido, e gravou seu primeiro disco. As músicas chegaram aos ouvidos de Vinicius de Moraes, que citou seu nome em uma rádio carioca ao ser questionado pelo locutor sobre um novo nome da bossa nova que valia a pena ouvir. O catarinense era então o único músico do Sul do país a fazer parte desse grupo genuinamente carioca que respirava bossa nova.

Carreira internacional
Luiz Henrique nasceu em Tubarão, em 1938, mas passou a maior parte da vida em Florianópolis, para onde se mudou com a família aos 11 anos. Filho de um jogador de futebol – que mais tarde se tornou fiscal da fazenda – com uma nativa de Imbituba, foi o único homem e o mais velho em meio a outras sete irmãs. Seu primeiro contato com a música foi com a percussão, batucando aqui e ali quando a fanfarra da polícia passava em frente a sua casa. Em seguida, foi para a banda da escola tocar caixa, migrou para um bloco de Carnaval, e assumiu o bongô do grupo josefense Os Melódicos. O violão, que o acompanhou durante toda a vida, só entrou nela aos 18 anos, quando pediu ao pai o instrumento de presente após ficar encantado com as rodinhas que os músicos faziam em Jaguaruna, cidade onde havia passado as férias.
Depois de terminar a escola, antes de embarcar para o Rio de Janeiro, ele chegou a trabalhar como desenhista ao lado de arquitetos e engenheiros de Florianópolis, explorando mais um de seus talentos, época em que já vivia com Márcia, sua primeira mulher.
Em 1959, aos 20 anos, a música finalmente passou de hobbie para profissão quando ganhou um programa na rádio Diário da Manhã. A partir daí, não demorou para cair nas graças de um conjunto de Porto Alegre, o primeiro a gravar sua primeira composição, “Se amor é isso”. Mas o trabalho na rádio não durou muito, o que ele queria mesmo era se juntar à turma carioca que fazia sua cabeça.
Durante suas andanças pela cidade maravilhosa, acabou conhecendo o saxofonista americano Paul Winter, amante da bossa nova que se encantou pela música de Luiz Henrique e o convidou para ir aos Estados Unidos. Convite aceito, em 1964 ele fez as malas e partiu rumo ao país com uns trocados no bolso.
 Assim que chegou a Nova York, hospedou-se no hotel 123, na esquina da Brodway com a Times Square, e mais tarde se mudou para um apart-hotel, onde morou com o músico Hermeto Pascoal. Os dois locais eram ponto certeiro de parada de muitos músicos brasileiros que foram para a cidade com a mesma intenção de Luiz Henrique: espalhar brasilidade pelo território americano. Foi lá também que ele passou a conviver com João Gilberto.
Em Nova York ele começou tocando em locais como o Café a Gogo, no Greevinch Village, mas acabou rodando boa parte do país ao lado do grupo de Paul Winter, trabalhou com músicos renomados, como Bob Hecker, Billy Butterfield, Oscar Brown Jr., Nancy Wilson e Liza Minelli, gravou sete discos e firmou seu nome no cenário musical norte-americano, onde permaneceu durante oito anos até voltar para o Brasil, para a cidade onde cresceu.

 Cidade do coração
Quando retornou a Capital catarinense, Luiz Henrique encontrou uma nova geração de músicos e um ambiente totalmente diferente do que tinha deixado anos atrás. Mesmo sem um estúdio de gravações na cidade e com poucos lugares para tocar, a vontade de sossegar na terra que amava falou mais alto que qualquer possibilidade de retornar ao Rio de Janeiro.
No início de junho de 2014, Raulino, segundo filho de Luiz Henrique, divulgou uma entrevista inédita que seu pai concedeu ao jornalista Aramis Millarch em 1979 durante uma ida a Curitiba para gravar novas canções. Na conversa, o músico dizia não ter a menor intenção de deixar sua cidade. “Não tenho pretensões em ser badalado e nem em tocar em mil lugares do mundo. Uma vez ou outra eu posso sair para fazer um show, mas eu quero ficar na minha terra”, afirmou. Sua vontade era reunir os músicos daqui e movimentar a cultura local. “Meu pai achava que, assim como ele conseguiu uma carreira internacional, outros músicos daqui também poderiam conseguir. Ele acreditava nos músicos de Florianópolis”, conta a filha Alicinha.
Ao longo dos anos que viveu em Florianópolis após a volta definitiva, Luiz Henrique continuou ativo a sua maneira. Gravou o hino do Avaí, fez o samba enredo da escola Acadêmicos do Samba, teve um programa na TV Cultura, virou gerente do Armazém Vieira, e finalmente abriu sua própria gravadora.  “Ele tinha vários sonhos, a gravadora era um deles, mas ele também queria criar um museu da imagem e do som e ter um engenho de farinha”, lembra a filha. “Para ele, ter sucesso não significava ter dinheiro ou fama”, completa Raulino.
Durante esse período, Luiz Henrique passou a ficar mais próximo de Alicinha, nascida em 1963 fruto do relacionamento com Márcia Lehmkuhl, e conheceu Patrícia Solange, com quem teve Raulino, em 1981, e Manoel no ano seguinte. Cada um dos filhos, além de carregar a família no nome – Alice o da avó, Raulino o do avô e Manoel Luiz o do próprio pai no segundo nome –, ganhou também uma música especial ao nascer. A canção “Alicinha” chegou a ser regravada por Liza Minelli e Elza Soares, e “Bom Dia”, feita para o segundo filho, foi descoberta há alguns anos pela irmã mais velha enquanto via vídeos do antigo programa do pai. “E a minha música foi perdida”, lamenta Manoel. Mas a irmã garante que é apenas uma questão de tempo para que seja encontrada.
Devoção de Liza Minelli
Luiz Henrique conheceu Liza Minelli em 1966, em Chicago, durante uma apresentação do catarinense na cidade. A cantora viu o show e ficou tão encantada que foi direto ao camarim para conversar com o músico. O entrosamento entre os dois foi tamanho que eles em seguida engataram um breve romance, mas se solidificaram como grandes amigos.
“Eu o conheci quando ele tocava com Oscar Brown Jr. e eu não conseguia prestar atenção no Oscar, ficava olhando para o Luiz. Ele parecia tão sereno, tão musical, tão em paz, estava profundamente imerso na música, sorrindo. Então quando ele cantou um pouco eu achei maravilhoso e nos tornamos amigos”, disse Liza em depoimento para o documentário “Luiz Henrique – No Balanço do Mar”, de Ieda Beck, lançado em 2007.
Eles chegaram a gravar músicas juntos e foi ela quem escreveu a contracapa do disco “Barra Limpa”, de Luiz Henrique. Em 1974 ela veio ao Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro e quis de toda a maneira encontrar o amigo, que não via fazia mais de um ano. Ele estava em Florianópolis e quando soube do desejo de Liza, foi imediatamente para o Rio. Esse foi o último encontro dos dois até 1979, quando ela retornou ao Brasil para shows no Rio e em São Paulo e fez questão de uma participação especial de Luiz Henrique em ambos. Depois de cumprir a agenda, a cantora veio passar uns dias em Florianópolis a convite do amigo, causando alvoroço por onde passava.

 Homenagens póstumas
Apesar de pouco lembrado desde sua morte, algumas homenagens ainda tentam manter vivo o legado de Luiz Henrique. Em 2003, músicos como Martinho da Vila, Elza Soares, Ivan Lins, Luiz Melodia, Luiz Meira e Sandra de Sá se reuniram para gravar o disco "A Bossa Sempre Nova de Luiz Henrique", com direito a show de lançamento no teatro do CIC (Centro Integrado de Cultura).
 Em 2007, após oito anos de trabalho, a diretora Ieda Beck lançou o documentário “Luiz Henrique – No Balanço do Mar”, até agora o registro mais completo sobre a vida do catarinense. Ela e a filha Fabíola, que trabalhou como assistente de direção, mergulharam na vida do músico através de depoimentos de familiares, amigos e artistas que conviveram com ele em Florianópolis, Rio de Janeiro e Nova York. “Foi muito surpreendente irmos tão longe e encontrarmos pessoas que conhecem e gostam tanto da obra de Luiz Henrique, enquanto aqui quase ninguém ouviu falar nele. Era só mencionarmos seu nome que as portas se abriam e as pessoas lembravam perfeitamente do que havia acontecido há mais de 20 anos”, conta Fabíola. Segundo ela, quando Liza Minelli soube que um documentário sobre seu grande amigo estava em curso, fez questão de participar dele.

Agora, a ideia dos três filhos de Luiz Henrique é buscar parcerias para criar um memorial do pai, reunindo em um único espaço fotografias, discos, instrumentos e roupas para que as novas gerações possam conhecer a história de um dos mais importantes – e desconhecidos – músicos do Estado.

Publicado no jornal Notícias do Dia