domingo, fevereiro 09, 2014

Selos ainda fazem a diferença para músicos mesmo com a facilidade da divulgação pela internet


Verdade seja dita: hoje em dia nenhuma banda saída diretamente do fundo de uma escura e úmida garagem em busca de ascensão precisa de um selo para seguir frente. Mas o trabalho dessa alternativa que já foi aclamada antes de a internet nos oferecer tudo de mão beijada ainda é capaz de dar um bom auxílio para artistas iniciantes e comprometidos com suas carreiras.
O SIC Music, selo de Florianópolis há dois anos no cenário musical, de certa forma funciona mais ou menos como uma etiqueta de qualidade. Comandada pelos sócios Guilherme Zimmer e Issac Varzim, o SIC Music já lançou 15 artistas, além de coletâneas sazonais que incluem bandas de vários Estados e mantém ainda um programa de rádio on-line com programação 24 horas por dia, e, apesar disso, não tem objetivos lucrativos.  Cada um dos sócios trabalha paralelamente com atividades que dão retorno financeiro, enquanto o selo fica para um misto de amor à música, à arte e uma espécie de vitrine para os trabalhos de design e curadoria musical que eles aplicam em cada lançamento.
Com encontros não tão frequentes em uma salinha dentro do estúdio de design Balaclava, onde Zimmer trabalha, no Centro da cidade, o SIC Music não valoriza apenas a música, mas a questão visual em torno do produto que oferecem. Assim, os já obsoletos CDs deram lugar a revistas impressas em material de qualidade, contendo uma biografia da banda em português e inglês, as letras das músicas, ficha técnica da produção e um código para baixá-las pela internet, tudo envolto por uma série de desenhos ousados e caprichados. “Essa foi uma solução que encontramos por não haver mais um encarte de CD. Sempre me interessou isso de se relacionar com a banda não só pelo ouvido”, conta Isaac. No cardápio de lançamento do SIC estão bandas como Skrotes, Atomic Mambo All-Stars, Mapuche e Les Savons Superfins.
De acordo com Zimmer, apesar de nenhuma banda efetivamente precisar dele, a chancela de um selo pode abrir portas e acrescentar conceito ao material. “Um selo pode dar a oportunidade de bandas daqui tocarem fora do país, por exemplo. Muitos festivais só aceitam bandas que tenham essa assinatura. É quase como uma carta de recomendação”, explica.


Além do básico
Também há cerca de dois anos, Moriel Costa, guitarrista da banda Dazaranha, começou a arquitetar seu próprio selo, o Muruca Records. Por enquanto, na lista de produtos com a chancela Muruca estão seu próprio disco solo “Pode Ser De Manhã”, lançado em 2013, um kit do Darci, seu personagem humorístico, e o trabalho mais recente da banda Damadera. O próximo lançamento será dentro de poucos meses e promete dar a visibilidade que o selo precisa: o novo álbum do Dazaranha.  “O selo ainda é novo, devagarzinho vamos começando também a lançar outras bandas. Por enquanto não ando tendo muito tempo para me dedicar a essa parte”, justifica Moriel.
Mas as pretensões do Muruca vão além de uma simples etiqueta para discos e avançam também para a edição de livros voltados à música e uma loja virtual com todos os seus produtos disponíveis para compra. Hoje o selo conta com dois funcionários que trabalham diretamente nos projetos do músico, além da experiência de um nome há mais de 20 anos envolvido no mercado musical da Ilha.
O SIC Music, apesar de não se aventurar em caminhos muito distintos, há quatro meses também decidiu ir um pouco além do lançamento de bandas e criou a SIC Rádio, assim como o selo, sem nenhuma pretensão financeira. “Isso foi ideia do Isaac, eu disse que não ia participar nem f******, mas de repente a rádio bombou de uma forma que eu não esperava”. Hoje ele é um dos 47 colaboradores da rádio, que além de contar com três bons picos de audiência diariamente, já conseguiu marcas apoiadoras sem grande esforço.

Etiqueta eletrônica
Com menos de um ano de atuação, servindo exclusivamente ao mercado da música eletrônica, o selo Infinty Beats, de Balneário Camboriú, já figura entre os cinco maiores do Sul do país. Desde maio de 2013, os sócios Vinicius Sommavilla, Rodrigo Wan-Dall e Troy Musique já lançaram 17 artistas, num total de 41 músicas. “O Infinity Beats começou como uma festa produzida por vários DJs catarinenses em 2012, então eu e o Rodrigo chamamos o Troy e criamos juntos o selo para lançar artistas novos da região que nunca tiveram essa oportunidade”, explica Vinicius. A ideia deu tão certo que para este ano a agenda do Infinity Beats já está com contratos de lançamentos fechados até julho.
O trabalho da equipe começa com o recebimento de músicas demonstrativas e, em seguida, uma garimpagem do que é interessante ou não de ser lançado. Quando está tudo decidido, o contrato é feito e começa a produção da arte, a divulgação, a masterização das músicas e enfim a distribuição. O processo dura em torno de três meses e tudo é lançando exclusivamente pela internet, em sites de downloads pagos especializados em música eletrônica.  “Hoje se um artista começa sozinho ele ganha no máximo uma visibilidade regional. Com o selo o trabalho dele tem expressão mundial”, defende Vinicius.
Ainda antes da idealização do selo, o Infinity Beats carimbou uma parceria com a rádio local Cidade Litoral, que atende aos municípios de Itapema, Balneário Camboriú, Itajaí, Tijucas, Porto Belo e Bombinhas. Desde então, de segunda a quinta, das 22h à 0h, entra no ar o programa homônimo ao selo trazendo novos nomes do eletrônico, que agora
também acaba servindo de complemento dos trabalhos da etiqueta. De acordo com Vinicius, a pretensão em médio e longo prazo é tornar o Infinity Beats um complexo de serviços voltados à música eletrônica, de consultoria a cursos na área, e claro, ter um bom retorno financeiro.

Serviço completo
Com um espaço para ensaios, gravação, produção musical e assessoria de comunicação e de imagem para bandas, o estúdio Arranha Céu, de Florianópolis, ainda não se vende exatamente como um selo, mas trabalha seguindo alguns dos preceitos dos labels e no resultado final acaba oferecendo ainda mais do que os próprios. Idealizado há cerca de seis meses pelos sócios Léo Irvine, Israel Rodrigo e Filipe Geyer, o estúdio trabalha com todos os elementos que envolvem o lançamento de um artista, da produção musical à arte gráfica, passando pela divulgação, clipe, fotografia e distribuição, tudo conforme for tratado previamente em contrato, sempre se baseando em metas para garantir resultados.
No ponto de vista de Léo, encarregado de toda a parte que diz respeito à divulgação do material produzido, o trabalho de um selo com um serviço mais rechonchudo como o Arranha Céu faz toda a diferença. “Quando alguém vai a um restaurante e come uma comida pronta, poderia na verdade ter feito tudo em casa. Então o que oferecemos em termos de promoção é basicamente aquilo que o artista não tem tempo para fazer sozinho, utilizando meios que ele não conhece”, explica.
Segundo ele, espaços e serviços como os do Arranha Céu ainda são difíceis de serem encontrados em Santa Catarina, mas em centros como São Paulo já são bastante comuns.

Selo pra quê?
Até o começo dos anos 2000, assinar contrato com um selo era a melhor coisa que poderia acontecer a uma banda iniciante. O selos, que funcionam como pequenas gravadoras para um nicho mais restrito, não necessariamente possuem um estúdio para todo o trabalho de gravação e produção de um disco, mas contam com uma equipe experiente e especializada, capaz de fazer o trabalho de uma banda chegar mais longe, com a distribuição e divulgação das músicas e a promoção das bandas. Hoje, com a internet, um músico pode gravar, produzir, distribuir e divulgar seu trabalho sem sair de dentro do quarto, o que fez muitos selos em todo o Brasil irem morrendo um a um. Alguns deles, entretanto, ainda se mantêm em pé – e novos continuam nascendo – baseando seu trabalho na garantia de qualidade, no oferecimento de serviços diferenciados de arte e distribuição e principalmente no amor à música.
Integrante da banda Les Savons Superfins, que no fim no ano passado lançou seu primeiro EP pelo SIC Music, o músico Henrique Silvério elenca pelo menos duas boas razões para ter procurado o selo em vez de fazer tudo por conta própria. “Como ficamos o tempo todo envolvidos nos arranjos, a opinião de alguém que tenha um bom ouvido é sempre bem-vinda. Depois tem a questão da distribuição virtual das músicas e divulgação para a imprensa de fora, ter o nome da SIC te dá mais credibilidade. Se estivéssemos sozinhos seria mais difícil alcançar pessoas com quem não temos vínculos”.