segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Cena hip-hop de Florianópolis se fortalece com o trabalho de MCs reconhecidos fora do Estado


Enquanto o rock tentava de todas as formas se reinventar e sobreviver ao último grande coice levado na década de 1990, após a morte de Kurt Cobain, os primeiros anos deste segundo milênio trouxeram consigo uma nova perspectiva para música. E ela não contemplava guitarras distorcidas. De repente os programas voltados à exibição de videoclipes foram dominados por já conhecidas musas do pop acompanhadas por cantores imponentes vestindo roupas largas e correntes no pescoço, quase sempre negros, rimando letras sobre dinheiro e a vida na periferia.  Era o hip-hop começando a ganhar atenção do mundo todo, de ricos e pobres, de homens e mulheres, adolescentes e adultos. Ele estava chegando do subúrbio americano para os lares brasileiros para nunca mais ir embora.
O glamour trazido por aqueles caras que passaram boa parte da vida vivendo às margens da sociedade e ficaram ricos com a música facilitou o entendimento do rap que nasceu bem antes do deles. E o mais importante: o rap feito no Brasil.
Engatinhando a passos cada vez mais largos, a cena de Florianópolis ainda precisa ser vista com binóculo pelo resto do país, especialmente por centros como Rio e São Paulo, onde já há um cenário consolidado, popularizado nos últimos anos por nomes como Criolo e Emicida. Mas no que depender da vontade dos rappers que despontam em cada canto da Ilha, um futuro promissor os espera.
Expulso de casa aos 13 anos, época em que “comeu o pão que o diabo amassou”, e quase dez acumulados dentro da cultura hip-hop, Elton Gobbi, mais conhecido como Eltin MC, já não tem mais nenhum motivo para reclamar da vida. Aos 31 anos, o nome mais expressivo da cena de Florianópolis é, até onde se sabe, o único que consegue não apenas viver só da música que faz, como sustentar a filhinha recém-nascida. Militante pró-legalização da maconha, Eltin canta sobre a cidade, sobre mulheres e sobre a erva, condição que constantemente o mantém excluído de alguns apoios mais conservadores. “Se eu defendo tanto isso, não é por mim, é porque eu acho que vai ser melhor para a sociedade, porque vai reduzir muitos problemas”, justifica.
Mas se o assunto o deixa de fora de certos eventos ou patrocínios, por outro lado, já o levou para longe. Ano passado ele foi convidado a se apresentar no Uruguai na Copa Cannabis, evento que reúne dezenas de cultivadores da erva e a melhor delas é eleita. O lado de fora de Santa Catarina, aliás, hoje é ainda mais próximo da rotina de shows do rapper. Além das apresentações pelo litoral e interior catarinense, Eltin recentemente passou pelo Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, além de já ter gravado um clipe na Holanda.


Ascensão
De 2004, quando Eltin deu seus primeiros passos participando das tradicionais batalhas de MCs, até os dias de hoje, a quantidade de artistas de Florianópolis se dedicando ao rap e a profissionalização da produção de suas músicas aumentou exponencialmente. Agora já é possível ver rappers que começaram há menos de quatros anos na Ilha ganhando destaque e a atenção de grandes nomes do rap nacional.
 No meio de uma temporada em São Paulo para gravar o primeiro EP com produção do DJ Cia, do grupo RZO, o rapper Rzilla em apenas dois anos na cena já consegue elencar pelo menos um par de conquistas. “Os momentos mais marcantes da minha carreira, se é que posso chamar de carreira, já que são só dois anos, foram a abertura do show do Ja Rule, para mais de quatro mil pessoas, e a abertura para o Planet Hemp. Foi muito especial porque o Marcelo D2 é meu ídolo”, orgulha-se o rapaz.
Com uma proposta um pouco diferente dos colegas MCs, o rapper F.Costa vem ganhando destaque na cena ilhoa com seu som que mistura três idiomas em uma mesma música. “Como sempre gostei muito de aprender novas línguas, uni isso ao rap e componho em português, inglês e espanhol. Procuro fazer algo diferente do que a maioria faz, no começo as pessoas estranham, mas com o tempo vão entendendo melhor a proposta e gostam”, garante o rapper, que ainda este ano fará parte de uma Mixtape de artistas também produzida pelo DJ Cia. Segundo o rapaz, que teve o primeiro contato com a cultura hip-hop em 2004, o cenário hoje está totalmente mudado. “Há cinco anos tinha poucas festas de hip-hop aqui, hoje pelo menos uma vez por semana tem alguma coisa”.
No Mustafá, uma das primeiras casas da llha a abrirem as portas para o hip-hop com maior frequência, as festas do gênero ocorrem semanalmente, tornando-se reduto de boa parte dos MCs. De acordo com Eltin, entretanto, parte desses artistas são avessos a locais distantes das comunidades. “Tem muita gente que quer viver do rap mas não quer tocar em balada. Pra mim não importa onde eu faço show, eu não deixo de passar a minha disciplina”, argumenta.
O rapper W. Paul, que faz parte de um coletivo chamado LadoSul junto com outros sete artistas do gênero, sempre procurou se envolver no hip-hop como um todo, e começou cantando em um grupo que trazia o tema cultura nas próprias rimas. Hoje, dentro do coletivo, apesar das dificuldades, ele segue realizando projetos para difundir o movimento. “Acho que faltam espaços para a disseminação da cultura às comunidades. Nunca tivemos incentivo e já tiramos dinheiro do próprio bolso”, relata.


Superprodução no Rio
Ainda no time dos talentos mais recentes, o rapper Leandro L8 foi o que conquistou com mais rapidez seu espaço na cena. Há três anos envolvido ativamente com o hip-hop de Florianópolis, o carioca radicado por essas terras já fincou no currículo uma música de sua autoria na trilha do filme brasileiro “Sequestro na Rede Social”, com estreia prevista para maio. Leandro caiu nas graças do diretor Gil Farias, que além de incluir sua música no filme, ainda deu a ele a oportunidade de gravar um clipe. “Um amigo me indicou para o diretor, que gostou do meu trabalho e mandou o roteiro do filme. Em um dia eu compus, mandei a música a ele e foi aprovada. O clipe inicialmente não estava programado, fui visitar meus pais no Rio agora no começo do ano e rolou. Quando cheguei lá era uma superprodução, com grua e tudo. Foi gravado no Morro do Vidigal”, conta.
 O talento do rapper de 23 anos e a rapidez com que começa a conquistar seu lugar pode ter uma explicação genética. Leandro é sobrinho-neto de Edson Gomes da Conceição, compositor do clássico “Não deixe o samba morrer”. “Minha família diz que sou muito parecido com ele”, conta orgulhoso.
De vez em quando ele até pensa que se não tivesse desembarcado na Ilha há cinco anos poderia conquistar ainda mais espaço no Rio, mas não esquece que foi aqui onde tudo começou. “Tudo o que eu conquistei no rap foi aqui em Santa Catarina, já cheguei a um público bem grande e quero ainda mais”. Apesar de ainda não viver exclusivamente da música e conciliar o rap com a profissão de locutor de rádio, Leandro confirma que os shows que faz o ao lado do DJ L.Man já são um ótimo complemento de renda. “Às vezes maior até do que a minha renda fixa”.

Tamo junto?
Apesar do ritmo de crescimento positivo, é comum entre os MCs de Florianópolis, especialmente os que estão na estrada há menos tempo, a reclamação da falta de união na cena local. O “tamo junto” repetido por muitos dentro e fora dos palcos, eles dizem, não é levado tão ao pé da letra. “Temos espaço e temos público, tem tudo o que a gente precisa, o que falta para alguns artistas é respeitar mais uns aos outros”, aponta Rzilla.
“O rap é um gênero muito difícil de se envolver, todos querem ser os melhores, querem competir e não dão o braço a torcer. Aqui realmente falta união, em São Paulo eles são muito mais unidos. Acho que isso está mudando, mas falta muito ainda para a cena de Floripa chegar lá”, destaca o rapper Rael LDC. Envolvido com o hip-hop local desde 1999, Rael alerta ainda para outro problema frequente enfrentado pelos artistas. “Tem espaço para o rap aqui, mas as casas não valorizam tanto quanto deveriam. Quando toco no interior do Estado isso é bem diferente”, relata.
Para o rapper Ogaia, a falta de união e a desvalorização das casas são fatores legítimos, mas o assunto é ainda mais complexo.  “O público não valoriza quem é daqui, não sai de casa pra ver os MCs de Florianópolis, só os que vêm de fora, então as casas preferem chamar quem traz público”. Além de MC, ele também faz parte da banda Gummo, que mistura rap com rock, e ali, ele diz, o drama é exatamente o mesmo.