Muito mais do que possuir a melhor faculdade de moda do país,
única com cinco estrelas no Guia do Estudante da editora Abril, e espalhar pelo
mundo centenas de profissionais qualificados todos os anos, Santa Catarina aos
poucos vem também desenvolvendo iniciativas que servem como vitrine para novos
profissionais. Nos próximos meses, a conclusão de duas ações diferentes vai
colocar coleções de cerca de 80 novos designers de moda de universidades
catarinenses frente a frente com o mercado de trabalho.
No dia 13 de novembro, 42 formandos do curso de design de
moda da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), eleito pelo quarto
ano consecutivo o melhor do Brasil, vão desfilar suas criações em Florianópolis
na passarela do Octa Fashion (Observatório de Cultura e Tendências Antecipadas).
E, em dezembro, outros 38 designers de diversas faculdades do Estado mostram
suas coleções na exposição do SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura), também na
Capital.
Coordenado pela professora Balbinette Silveira, do curso de
design de moda da Udesc, o Octa Fashion teve sua primeira edição realizada em
2011 por atitude dos próprios estudantes que não queriam uma formatura comum,
somente com a presença de familiares. O formato tradicional do desfile de
conclusão de curso ganhou o novo conceito no momento em que o nome mudava de
estilismo para design de moda, e desde então é o maior evento do gênero no
Estado.
Na quarta edição, 42 novos designers de moda vão desfilar
suas coleções, desenvolvidas ao longo de um ano, sob orientação de professores.
Além deles, uma equipe de 50 estudantes de outras fases do curso participa
ativamente da produção, dividida em grupos de diferentes departamentos. “Isso é
interessante porque nem sempre os alunos acabam trabalhando efetivamente com
criação, mas em outras áreas da moda, como a comunicação, por exemplo”, destaca
Balbinette.
Segundo ela, que coordena o evento de formatura há 12 anos, a
nova proposta surgiu porque os alunos não viam mais aquilo como um simples
desfile. Hoje, além da apresentação das coleções no grande dia, que deve
receber um público estimado em duas mil pessoas, os formandos participam da
produção de uma revista, um site, um catálogo e um DVD.
De mangas arregaçadas
Insatisfeita com a falta de retorno que o desfile de
formatura da Udesc dava aos novos designers de moda, Kamila Rosa foi uma das
estudantes que arregaçaram as mangas para ajudar organizar a primeira edição do
Octa Fashion. Formada em 2011, ela já havia começado a criar as primeiras peças
de sua marca de camisas, a Maria Leite, um semestre antes de concluir os estudos.
Após a formatura, lançou três coleções e começou a receber pedidos de clientes
para que abrisse um ponto fixo. Assim, há seis meses inaugurou sua própria loja
multimarcas no bairro de Coqueiros, onde, por enquanto, vende suas criações
apenas por encomenda. “No momento quero dar mais atenção para a loja, que ainda
está muito verde, mas minha paixão é a criação”, diz ela, que em breve pretende
encher as araras com camisas Maria Leite.
Os bordados e detalhes delicados que acompanham as peças
desenhadas por Kamila, por terem um apelo mais comercial, não fizeram parte da
coleção que a designer desfilou para mais de quatro mil espectadores no Octa
Fashion. Em compensação, na época sua liberdade pôde ser explorada em uma marca
de roupas infantis.
Ela conta que meses antes da formatura o plano da
universidade era fazer um desfile simples, para a família, no próprio Ceart
(Centro de Artes) da Udesc, mas, ao lado de outra colega, se recusou e foi atrás
de patrocínio para a criação de um grande evento. O resultado foi uma massiva
participação de grandes marcas, de formadores de opinião e de um convidado de
honra: Oskar Metsavaht, nome por trás da Osklen. “Nós formamos equipes de
produção e criamos o nome do evento, tudo da noite pro dia. Queríamos que as
próximas turmas levassem isso adiante. Até o reitor, que nunca ia às formaturas
de moda, foi ao Octa”, lembra Kamila.
Inserção na rotina industrial
Realizado desde 2005 por iniciativa de um grupo de
empresários do ramo têxtil da região do Vale do Itajaí, o SCMC dá a
oportunidade de pouco mais de 30 estudantes de design de moda e produto de
várias universidades catarinenses passarem um ano acompanhando de perto o dia a
dia da produção do ramo. Por meio de uma parceria entre empresas – um total 17
na edição de 2014 – e das próprias instituições de ensino, alunos a partir do
penúltimo ano da faculdade podem se inscrever em duplas para participar do
projeto. Após uma seleção, cada dupla vai para uma empresa diferente, onde
passa os meses seguintes participando, junto com a equipe criativa da própria
marca, do desenvolvimento de uma coleção com consultoria de Jackson
Araujo e Luca Predabon. Ao fim do ano, a coleção é apresentada em uma exposição
aberta ao público, que em 2014 deve acontecer entre novembro e dezembro.
Segundo Paula Cardoso,
gestora executiva do SCMC, a iniciativa tem um papel fundamental na formação
dos designers, já que se responsabiliza por uma área que a universidade
normalmente não contempla. “A
faculdade forma o aluno, mas ali ele acaba participando do dia a dia da
empresa. Cada estudante tem seu timing para criar algo, mas depois do SCMC eles
passam a entender a realidade industrial”, destaca.
Além da vivência dentro de uma grande empresa, a exposição
final das criações acaba atingindo uma série de outros profissionais da área,
ligando os estudantes diretamente ao mercado de trabalho. “Com frequência
acontece de as próprias empresas acabarem contratando os alunos que tiveram
essa experiência dentro delas”, afirma Paula.
Cabeça aberta
Formada em moda pela Furb (Fundação Universidade Regional de
Blumenau), a designer Luiza Ferreira foi uma das participantes do SCMC em 2010,
durante seu último ano de faculdade. Após a experiência dentro de uma das empresas
parceiras do projeto e um período de estudos em Londres, há dois anos ela
retornou a Blumenau, onde começou a pensar no esboço do que mais tarde viria a
se tornar sua própria marca de acessórios.
“A participação no SCMC foi ótima porque acabou abrindo um
leque maior de possibilidades para mim. Ele me fez ir muito além de roupas, que
era só no que eu pensava na época”, conta. Durante o ano que passou na capital
inglesa, Luiza teve a oportunidade de trabalhar ao lado de designers que tinham
o couro como matéria prima e aprendeu procedimentos exclusivos com o material.
Hoje, só ela e mais duas pessoas no mundo utilizam a técnica que envolve moldar
acessórios em couro com as mãos. No Brasil, ela só é encontrada na marca que
leva o nome de Luiza.
“É um processo todo artesanal que não tem como ser feito em
grande escala, por isso só atendo em meu estúdio com hora marcada e faço peças
sob encomenda”, conta a designer, que, além de produzir os acessórios sozinha, realiza
toda a compra dos materiais e ainda faz as vezes de modelo em seu catálogo.
Expectativas pós-Octa Fashion
Antes mesmo de concluírem a faculdade de moda, as primas Bárbara
Leite e Gabriela Martins decidiram durante um intercâmbio na Itália que criariam
uma marca juntas, mas não sabiam de que. Como Bárbara havia feito um curso de
lingerie e já costurava e vendia peças para amigas, a decisão acabou sendo por
levar adiante a ideia, dessa vez com novas referências, produção terceirizada e
muito mais profissionalismo. Assim, há um ano e meio nasceu a primeira coleção
da Sorellina, marca idealizada pela dupla repleta de referências vintage e
materiais nobres.
Enquanto Gabriela concluiu há cerca de dois anos o curso de design
de moda na Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), Bárbara se prepara
para no dia 13 de novembro mostrar sua coleção de conclusão de curso no Octa Fashion.
Por baixo das peças desenhadas por ela, lingeries da Sorellina também estarão presentes.
“Tenho esperança de realmente conseguir mostrar a marca para mais
gente lá, e é legal relacioná-la a um evento de moda desse porte. E além de estar
junto com a coleção que criei para o desfile, a Sorellina vai aparecer no
catálogo como apoiadora”, conta Bárbara. “O Octa Fashion é um evento que
acontece por empenho dos próprios alunos e que gera muito retorno. Eu senti um
pouco de falta disso no meu curso, que promovia desfiles todo o fim de
semestre, mas para um público mais familiar”, avalia Gabriela.
A expectativa para após a formatura de Bárbara, com um
empurrãozinho do Octa Fashion, é que elas lancem a quarta coleção da Sorellina,
abram um ateliê e consigam com que mais lojas vendam as peças. Atualmente, além
das vendas pela internet, duas lojas comercializam Sorellina, uma em
Florianópolis e outra em Porto Alegre.
Para o segundo semestre de 2015, a meta é também que ela já comece a dar
retorno financeiro real. “A Sorellina se mantém, mas ainda não paga nossos
salários. Tudo o que ganhamos investimos nela, em um bom site, em melhores
etiquetas”, afirma Bárbara.
Publicado no jornal Notícias do Dia