Pelo 12° ano
consecutivo, ao longo de cinco dias as ruas repletas de história da pequena
cidade fluminense de Paraty ficarão tomadas por amantes da literatura vindos de
todos os cantos do país. Na próxima quarta-feira (30), com a abertura da
programação oficial da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e de
outros três eventos paralelos – Flipinha, FlipMais e FlipZona –, 25 mil pessoas
deverão se espalhar pela Tenda dos Autores, Casa de Cultura, Casa Azul e outros
espaços da cidade para absorver o que têm a dizer alguns dos principais autores
contemporâneos do Brasil e do mundo.
Com curadoria do
jornalista Paulo Werneck, a edição 2014 da maior festa literária do país, que
dessa vez tem Millôr Fernandes como homenageado, mantém a tradição de rechear a
programação com nomes ecléticos que não têm a literatura como principal
atividade profissional. Ao mesmo tempo, aposta no ineditismo, trazendo para a
roda pela primeira vez em 12 anos um autor russo.
“Estamos em uma fase
muito boa de tradução de escritores russos, sobretudo de clássicos. Temos uma
bela e já consistente biblioteca de autores de lá, então as editoras começaram
a prestar mais atenção nos contemporâneos, como Vladímir Sorókin. Fico feliz
que Flip esteja fazendo parte desse momento”, afirma o curador.
Nomes como o da cantora
Adriana Calcanhotto, dos atores Gregório Duvivier e Fernanda Torres, além de
fotógrafos, arquitetos e profissionais de diferentes áreas se encontram nas 20
mesas da programação principal sob o fio condutor da escrita, em que todos já
se aventuraram. De acordo com Werneck, essa pluralidade de experiências já faz
parte da essência da festa. “Desde o começo a Flip sempre trouxe autores
ecléticos, críticos, músicos, psicanalistas. É uma mistura cultural e a literatura
é uma afinação disso tudo. A literatura hoje não é mais uma área isolada, então
ao chamá-los eu quis garantir essa versatilidade”, justifica.
Aos 36 anos, Paulo já
participou de quase todas as edições da Flip, como espectador, convidado, jornalista,
editor e como filho de um dos participantes, o cronista Humberto Werneck. A
experiência de olhar de fora para todo o conjunto da festa o transformou em um
curador atento e preparado para assumir a função que nos últimos dois anos foi
do jornalista Miguel Conde. “Como observador eu já tinha em mente autores que
eu achava injusto ainda não terem participado, mas claro que dependia também da
disponibilidade deles. Levei muitos nãos”, revela Paulo, que garante ter tido
liberdade total para montar a programação. “Tiro o chapéu para a (presidente do
conselho diretor) Liz Calder e o (diretor-geral) Mauro Munhoz, a curadoria não
teve nenhuma intromissão. A primeira grande conversa que tivemos foi sobre o
homenageado, e fiquei muito feliz quando foi definido que seria o Millôr, ele é
o escritor da minha vida”, diz. “Não consigo olhar para as outras edições como
vejo essa, mas todas foram muito boas e eu não quis inventar moda, mantive o que
a Flip sempre teve de melhor”, conclui.
Cenários paralelos
Às
margens das 20 mesas que compõem a programação principal da festa, os shows,
exposições de arte e eventos paralelos espalhados por Paraty também são destino
certeiro de quem desembarcar na cidade nos próximos dias. Na FlipMais, com
apenas R$12 e ingressos que começam a ser vendidos na véspera de cada mesa, os
espectadores poderão participar de mais uma série de boas discussões entre
quinta-feira e sábado.
Em
meio aos destaques dessa edição da FlipMais está a mesa “A poesia e seus
caminhos de fazer ler”, em que participam Flávio Araújo, Luís Dill, Ninfa
Parreiras e Simone Monteiro de Araújo, com mediação de Volnei Canônica. A
partir da leitura de um poema que marcou a infância dos participantes do
painel, cada um deles falará sobre a experiência com a leitura de poesia em sua
vida. A ideia é debater sobre como a poesia pode levar à outros gêneros
literários.
“Isso
foi algo que aconteceu comigo e hoje trabalho muito com a poesia. É um gênero
difícil, nem todos gostam e é preciso valorizá-lo, fazer com que poemas sejam
lidos”, afirma a escritora, professora e psicanalista Ninfa Parreiras. Com 19 livros publicados, sendo 13 de
literatura infanto-juvenil, Ninfa adianta que levará à mesa o poema “A Cancão
dos Tamaquinhos”, de Cecília Meireles. “Esse poema me marcou muito. Eu li
quando tinha uns sete ou oito anos e aquela coisa do som do tamanco me chamou
muita atenção. Eu decorei na época”, conta.
Esse
é o terceiro ano consecutivo que a escritora participa de mesas da FlipMais, e
com a experiência em Paraty acabou virando fã das programações não oficiais da
festa. “A Flip é sempre muito variada, tem atrações para todos os gostos e
mesmo que você não consiga ingresso para a programação principal, há uma série
de eventos paralelos espalhados pela cidade, organizados até por outras
instituições, e muitas vezes são gratuitos”, dá a dica.
“Sei
que vão muitas celebridades para lá, mas eu gosto mesmo é do que se encontra
nas ruas. A gente fica se equilibrando naquelas pedras das ruas de Paraty e de
repente encontra o Luis Fernando Veríssimo ao lado de um poeta anônimo”.
Espelho
para Santa Catarina
Veterano em
participações como espectador da Flip, o escritor catarinense de Jaraguá do Sul
Carlos Henrique Schroeder acompanha o evento desde seu primeiro ano e esteve
presente em cinco edições da festa. Embora não vá a Paraty este ano, elogiou a
programação e destacou a presença de autores internacionais como Jhumpa Lahiri,
Andrew Solomon e o próprio Sorókin. Nome por trás da organização de alguns dos
principais eventos literários de Santa Catarina, Schroeder vê na Flip mais do
que uma fonte de inspiração para novos projetos, mas uma vitrine de
autores.
“Ano passado participei
de um debate com o Mauro Munhoz, diretor da Flip, e conheci também o curador
Paulo Werneck. É sem dúvidas um evento popular muito importante, que aponta
tendências e mostra autores de fora do país”, destaca.
Em 2013, quando a
empresa baiana Mirdad Gestão em Cultura viu em Santa Catarina um potencial para
receber um evento nos mesmos moldes da festa de Paraty, o escritor foi escalado
como curador. A Flisca (Festa Literária Internacional de Santa Catarina)
aconteceria em novembro de 2014 e teria em sua programação pelo menos dois
nomes escalados também pela Flip deste ano: Solomon e Sorókin. Como a Mirdad
acabou mudando o foco e perdendo o interesse em coordenar o evento, a Design
Editora, comandada por Schroeder e responsável pela organização da Feira do
Livro de Jaraguá do Sul e do Festival Nacional do Conto, em Florianópolis,
comprou a marca e está dando continuidade aos preparativos da festa, agora
programada para 2015.
De acordo com
Schroeder, a Flisca vai se espelhar na Flip especialmente no que diz respeito à
programação internacional. “Não temos nada assim no Estado, e a ideia é trazer
nomes de peso, pelo menos meia dúzia de autores premiados. O que vai
diferenciar da Flip é que além da programação internacional e brasileira, a Flisca
dará destaque aos autores do Estado”. Apesar da vasta experiência na
organização de eventos literários, ele garante que a Flisca vai ser totalmente
diferente de tudo. “É uma festa, uma celebração da literatura, com shows e
exposições. Os festivais colocam o autor na vitrine”.
Para cuidar do novo
evento, Schroeder já se desligou da coordenação da Feira do Livro de Jaraguá do
Sul, mas não revelou outros detalhes sobre a festa, que provavelmente será fora
da Capital, deixando a cidade mais uma vez fora do circuito cultural do país.
Segundo ele, são muitos
os fatores que fazem Florianópolis não ter um grande evento literário, e um
deles é o tamanho da cidade. “Florianópolis é muito grande, se você faz algo no
centro não atinge os bairros, se faz algo nos bairros não atinge o centro. E há
também a falta de incentivo dos governos estadual e municipal. Enquanto não
houver um diálogo entre eles e a iniciativa privada, não vai dar para fazer
nada”, diz. Para ele, apesar de minúscula se comparada à que organiza em sua
cidade, a feira do livro promovida na Capital é louvável, por ser uma
iniciativa dos próprios livreiros.