domingo, julho 27, 2014

Na próxima quarta-feira, a cidade de Paraty abre seus braços para os amantes da literatura em mais uma edição da Flip

Pelo 12° ano consecutivo, ao longo de cinco dias as ruas repletas de história da pequena cidade fluminense de Paraty ficarão tomadas por amantes da literatura vindos de todos os cantos do país. Na próxima quarta-feira (30), com a abertura da programação oficial da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e de outros três eventos paralelos – Flipinha, FlipMais e FlipZona –, 25 mil pessoas deverão se espalhar pela Tenda dos Autores, Casa de Cultura, Casa Azul e outros espaços da cidade para absorver o que têm a dizer alguns dos principais autores contemporâneos do Brasil e do mundo.
Com curadoria do jornalista Paulo Werneck, a edição 2014 da maior festa literária do país, que dessa vez tem Millôr Fernandes como homenageado, mantém a tradição de rechear a programação com nomes ecléticos que não têm a literatura como principal atividade profissional. Ao mesmo tempo, aposta no ineditismo, trazendo para a roda pela primeira vez em 12 anos um autor russo.
“Estamos em uma fase muito boa de tradução de escritores russos, sobretudo de clássicos. Temos uma bela e já consistente biblioteca de autores de lá, então as editoras começaram a prestar mais atenção nos contemporâneos, como Vladímir Sorókin. Fico feliz que Flip esteja fazendo parte desse momento”, afirma o curador.
Nomes como o da cantora Adriana Calcanhotto, dos atores Gregório Duvivier e Fernanda Torres, além de fotógrafos, arquitetos e profissionais de diferentes áreas se encontram nas 20 mesas da programação principal sob o fio condutor da escrita, em que todos já se aventuraram. De acordo com Werneck, essa pluralidade de experiências já faz parte da essência da festa. “Desde o começo a Flip sempre trouxe autores ecléticos, críticos, músicos, psicanalistas. É uma mistura cultural e a literatura é uma afinação disso tudo. A literatura hoje não é mais uma área isolada, então ao chamá-los eu quis garantir essa versatilidade”, justifica.
Aos 36 anos, Paulo já participou de quase todas as edições da Flip, como espectador, convidado, jornalista, editor e como filho de um dos participantes, o cronista Humberto Werneck. A experiência de olhar de fora para todo o conjunto da festa o transformou em um curador atento e preparado para assumir a função que nos últimos dois anos foi do jornalista Miguel Conde. “Como observador eu já tinha em mente autores que eu achava injusto ainda não terem participado, mas claro que dependia também da disponibilidade deles. Levei muitos nãos”, revela Paulo, que garante ter tido liberdade total para montar a programação. “Tiro o chapéu para a (presidente do conselho diretor) Liz Calder e o (diretor-geral) Mauro Munhoz, a curadoria não teve nenhuma intromissão. A primeira grande conversa que tivemos foi sobre o homenageado, e fiquei muito feliz quando foi definido que seria o Millôr, ele é o escritor da minha vida”, diz. “Não consigo olhar para as outras edições como vejo essa, mas todas foram muito boas e eu não quis inventar moda, mantive o que a Flip sempre teve de melhor”, conclui.

Cenários paralelos
Às margens das 20 mesas que compõem a programação principal da festa, os shows, exposições de arte e eventos paralelos espalhados por Paraty também são destino certeiro de quem desembarcar na cidade nos próximos dias. Na FlipMais, com apenas R$12 e ingressos que começam a ser vendidos na véspera de cada mesa, os espectadores poderão participar de mais uma série de boas discussões entre quinta-feira e sábado.
Em meio aos destaques dessa edição da FlipMais está a mesa “A poesia e seus caminhos de fazer ler”, em que participam Flávio Araújo, Luís Dill, Ninfa Parreiras e Simone Monteiro de Araújo, com mediação de Volnei Canônica. A partir da leitura de um poema que marcou a infância dos participantes do painel, cada um deles falará sobre a experiência com a leitura de poesia em sua vida. A ideia é debater sobre como a poesia pode levar à outros gêneros literários.
“Isso foi algo que aconteceu comigo e hoje trabalho muito com a poesia. É um gênero difícil, nem todos gostam e é preciso valorizá-lo, fazer com que poemas sejam lidos”, afirma a escritora, professora e psicanalista Ninfa Parreiras.  Com 19 livros publicados, sendo 13 de literatura infanto-juvenil, Ninfa adianta que levará à mesa o poema “A Cancão dos Tamaquinhos”, de Cecília Meireles. “Esse poema me marcou muito. Eu li quando tinha uns sete ou oito anos e aquela coisa do som do tamanco me chamou muita atenção. Eu decorei na época”, conta.
Esse é o terceiro ano consecutivo que a escritora participa de mesas da FlipMais, e com a experiência em Paraty acabou virando fã das programações não oficiais da festa. “A Flip é sempre muito variada, tem atrações para todos os gostos e mesmo que você não consiga ingresso para a programação principal, há uma série de eventos paralelos espalhados pela cidade, organizados até por outras instituições, e muitas vezes são gratuitos”, dá a dica.
“Sei que vão muitas celebridades para lá, mas eu gosto mesmo é do que se encontra nas ruas. A gente fica se equilibrando naquelas pedras das ruas de Paraty e de repente encontra o Luis Fernando Veríssimo ao lado de um poeta anônimo”.


Espelho para Santa Catarina
Veterano em participações como espectador da Flip, o escritor catarinense de Jaraguá do Sul Carlos Henrique Schroeder acompanha o evento desde seu primeiro ano e esteve presente em cinco edições da festa. Embora não vá a Paraty este ano, elogiou a programação e destacou a presença de autores internacionais como Jhumpa Lahiri, Andrew Solomon e o próprio Sorókin. Nome por trás da organização de alguns dos principais eventos literários de Santa Catarina, Schroeder vê na Flip mais do que uma fonte de inspiração para novos projetos, mas uma vitrine de autores. 
“Ano passado participei de um debate com o Mauro Munhoz, diretor da Flip, e conheci também o curador Paulo Werneck. É sem dúvidas um evento popular muito importante, que aponta tendências e mostra autores de fora do país”, destaca.
Em 2013, quando a empresa baiana Mirdad Gestão em Cultura viu em Santa Catarina um potencial para receber um evento nos mesmos moldes da festa de Paraty, o escritor foi escalado como curador. A Flisca (Festa Literária Internacional de Santa Catarina) aconteceria em novembro de 2014 e teria em sua programação pelo menos dois nomes escalados também pela Flip deste ano: Solomon e Sorókin. Como a Mirdad acabou mudando o foco e perdendo o interesse em coordenar o evento, a Design Editora, comandada por Schroeder e responsável pela organização da Feira do Livro de Jaraguá do Sul e do Festival Nacional do Conto, em Florianópolis, comprou a marca e está dando continuidade aos preparativos da festa, agora programada para 2015.
De acordo com Schroeder, a Flisca vai se espelhar na Flip especialmente no que diz respeito à programação internacional. “Não temos nada assim no Estado, e a ideia é trazer nomes de peso, pelo menos meia dúzia de autores premiados. O que vai diferenciar da Flip é que além da programação internacional e brasileira, a Flisca dará destaque aos autores do Estado”. Apesar da vasta experiência na organização de eventos literários, ele garante que a Flisca vai ser totalmente diferente de tudo. “É uma festa, uma celebração da literatura, com shows e exposições. Os festivais colocam o autor na vitrine”.
Para cuidar do novo evento, Schroeder já se desligou da coordenação da Feira do Livro de Jaraguá do Sul, mas não revelou outros detalhes sobre a festa, que provavelmente será fora da Capital, deixando a cidade mais uma vez fora do circuito cultural do país.

Segundo ele, são muitos os fatores que fazem Florianópolis não ter um grande evento literário, e um deles é o tamanho da cidade. “Florianópolis é muito grande, se você faz algo no centro não atinge os bairros, se faz algo nos bairros não atinge o centro. E há também a falta de incentivo dos governos estadual e municipal. Enquanto não houver um diálogo entre eles e a iniciativa privada, não vai dar para fazer nada”, diz. Para ele, apesar de minúscula se comparada à que organiza em sua cidade, a feira do livro promovida na Capital é louvável, por ser uma iniciativa dos próprios livreiros.