sábado, maio 31, 2014

Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis começa sábado celebrando a produção do gênero no país


De meados da década de 1990, quando cineastas brasileiros acreditavam estar vivendo um grande momento na atividade, até os dias de hoje a produção cinematográfica voltada ao público infantil sofreu transformações que aumentaram exponencialmente não só a quantidade, mas a qualidade das obras. Filmes produzidos nos últimos anos no país circularam pela rota internacional de festivais e seguem colecionando prêmios e lançando novos e talentosos diretores. Entre amanhã e o próximo dia 8 de junho, a 13ª edição da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, primeiro e mais influente evento do gênero no Brasil, abre as portas justamente para celebrar a riqueza das produções e discutir o espaço da criança, colocando-a como protagonista na cidade.
Com as facilidades sugeridas pela tecnologia, a experiência conquistada nas últimas décadas, com sucessos e fracassos, e a busca pela autenticidade, cineastas vêm conseguindo tirar do papel ideias capazes de conquistar crianças e adultos com a mesma intensidade.
“Fazer um longa-metragem hoje certamente está muito mais fácil e viável comercialmente do que há 10 anos, quando todo mundo achava que o cinema nacional estava vivendo uma grande fase. A minha experiência como debutante em longas foi de certa forma muito feliz. Estive amparado por Diler Trindade, um produtor que levou ao cinema mais de 30 milhões de espectadores com seus filmes da Xuxa e dos Trapalhões”, afirma o cineasta carioca André Alves Pinto, diretor do filme “Uma professora muito maluquinha” (2010), adaptação da obra de Ziraldo exibida há três anos na Mostra de Florianópolis.
Na categoria animação as mudanças de cenário são ainda mais impactantes. O cineasta paulistano Alê Abreu, que participa da 13ª edição da Mostra com o premiado “O menino e o mundo”, começou a se aventurar na animação nos primeiros anos da década de 1990, quando só o que havia no mercado eram basicamente curtas e peças publicitárias. O primeiro longa, “Garoto Cósmico”, virou realidade só em 2007.
“O processo de animação é muito lento, fiquei muito tempo produzindo ‘Garoto Cósmico’, e é difícil você lançar um longa de animação por ano. Antigamente levava mais tempo ainda, porque era um processo artesanal; agora é mais fácil, mais barato e mais acessível, o que levou muita gente a começar a produzir. Hoje você faz uma animação sozinho em seu quarto”, pontua. Para Alê, além disso, fatores como a criação de leis de incentivo e a idealização do festival de animação Anima Mundi, no Rio de Janeiro e São Paulo, também foram grandes janelas para o gênero.


Pequenos, mas antenados
Se hoje as crianças ganham tablets e computadores antes mesmo de conseguirem se sentar sozinhas, o cinema enfrenta outro desafio: o de se tornar atrativo para os pequenos em meio a tanta informação que eles obtêm desde muito cedo. “A cultura cyber modificou muito a maneira de as crianças brincarem e até mesmo de os pais educarem seus filhos. Em 1994 participei da realização do primeiro longa-metragem de ‘O menino maluquinho’, dirigido por Helvécio Ratton, uma narrativa lúdica e poética que conquistou crianças e adultos. Esse mesmo filme teria dificuldades de ser cativante para as crianças de hoje, mas cumpriria seu papel”, constata André. Apesar disso, 15 anos depois, ele apostou numa receita semelhante ao dirigir seu primeiro longa. “Fizemos um filme com narrativa linear, com empatias verdadeiras. Não que a fantasia não faça parte, mas fugir da realidade, como a maioria dos filmes hoje propõe, é um papel de Hollywood”, acredita.
No caso de Alê Abreu, o fato de ele jamais ter formatado “O menino e o mundo” para o público infantil diz muito sobre o alcance que o filme teve. “Não era para criança e não era para adulto. Eu sou completamente egoísta, o filme era pra mim. Não vou fazer algo pensando no que vão esperar, acho isso tão ridículo. Quem pegar, pegou”, diz.
Para Luiza Lins, diretora da Mostra de Cinema Infantil, apesar de o mundo ter mudado desde a primeira edição do evento, há 13 anos, as crianças continuam sendo elas mesmas e não há o que ser mudado. “O mundo atual não quer que a criança seja criança e impõe a tecnologia logo cedo. Criança precisa de brincadeira e amor, não é porque vivemos em um mundo tecnológico que o conteúdo do filme tem que mudar”, considera.
O cineasta mineiro Guilherme Fiúza Zenha, que traz para a Mostra a pré-estreia do longa “O menino no espelho”, adaptação do livro de Fernando Sabino, tem o mesmo ponto de vista. “Crianças são crianças, quem inventou essa infância tecnológica fomos nós, que para acalmá-las damos um tablet ou um smartphone”, diz. Segundo Guilherme, o próprio elenco do filme foi formado por crianças de verdade e não pelo que chama de “mini-adultos”. Para isso, mais de quatro mil pequenos foram entrevistados.


Um mundo plural nas telas
Segundo Luiza Lins, existe uma grande responsabilidade na Mostra de Cinema Infantil em relação à escolha do que será exibido ao público, especialmente porque o que está na tela tem grandes chances de influenciá-lo diretamente. “Tenho o cuidado de sempre mostrar um mundo plural nos filmes. É importante preservar na criança a poesia que ela tem; eu não exibo filmes que imponham padrões estéticos e sociais, mas até o ‘não gostar’ é importante para elas”, diz.
Para os cineastas, a responsabilidade de colocar na tela algo que poderá marcar para sempre uma criança existe, mas ela não se torna exatamente uma perturbação na hora de produzir. “Acho que existe essa responsabilidade, mas eu não a tomo para mim. Eu busco apenas ser verdadeiro, assim não preciso ter essa preocupação. O jeito de fazer é o que importa. Quando estou fazendo arte não me preocupo com questões de educação”, explica Alê Abreu. “Não ficamos com isso na cabeça, nem dá. O nosso compromisso é de fazer algo em que a gente acredita e botar energia nisso. A gente pode até errar, mas erramos conscientes de estarmos fazendo o melhor”, acrescenta André.  Para Guilherme, o recurso usado foi pensar em uma experiência própria. “Quis fazer um filme que eu gostasse de ver quando eu era criança. Pensei nas crianças em primeiro lugar, e depois na família”, completa.