Por muito pouco a resposta do historiador João Klug
ao convite para comandar a pesquisa base do livro mais recente de Chico Buarque
não foi negativa. De passagem por Berlim para a conclusão de seu pós-doutorado
em 2012, Klug, que é professor do departamento de história da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina), foi acionado pelo também historiador
Sidney Chalhoub por telefone. Na conversa, ouviu o inesperado: Chalhoub, que já
havia publicado vários livros pela Companhia das Letras, foi convocado pela
editora para ajudar a descobrir tudo sobre o meio-irmão alemão do músico e
poeta brasileiro, que estava começando a escrever sobre o assunto. Até aí, nada
de incomum, mas como Chalhoub além de não falar alemão, estava sem tempo para
se dedicar a uma pesquisa que demandaria tamanho empenho, decidiu passar a missão
para Klug.
“Foi algo bem circunstancial, eu estava em Berlim
fazendo meu pós-doutorado e o Sidney me telefonou para falar sobre uma
documentação do Sérgio Buarque de Holanda, que esteve na Alemanha em 1929. O
Chico já estava começando a escrever o livro e eu ia dizer não, por muito pouco
não disse, porque aquilo não tinha nada a ver com o que eu estava fazendo lá”,
conta Klug.
A resposta, felizmente, foi sim, e paralelamente ao
trabalho acadêmico, ele passou a dedicar tempo a ir atrás do irmão alemão de
Chico Buarque. Entre abril e junho de 2012, com ajuda do amigo e museólogo
alemão Dieter Lange, Klug desbravou instituições, documentos, arquivos, bares e
pessoas para descobrir o que o irmão brasileiro de Sérgio Ernst (ou Horst Günther,
como passou a ser chamado) jamais suspeitava.
A última notícia que Chico Buarque tinha do tal
irmão – nascido em 1930, fruto de um breve relacionamento do pai com uma alemã
– era uma documentação de 1936, que revalava o desejo de Sérgio, o pai, de
repatriar a criança, o que nunca aconteceu. Sérgio, o filho, foi então adotado
por outra família e teve um destino promissor: se tornou um jornalista e cantor
famoso na comunista DRA (República Democrática Alemã), até morrer, em 1981.
Talento
no DNA
Toda vez que Klug fazia uma nova descoberta acerca
do meio-irmão, imediatamente repassava as informações para Chico, que podia dar
continuidade ao trabalho com mais rapidez. “Mantínhamos contato quase
diariamente, por e-mail ou telefone. Ele é uma pessoa muito simples e agradável.
Quando descobria algo, eu logo repassava, para ele já ir abastecendo o livro,
mas quando falei que o irmão era cantor, o Chico foi imediatamente para
Berlim”, conta.
Uma das últimas etapas da pesquisa foi quando o Klug
finalmente localizou a família de Sérgio Günther – nome que o alemão passou a
usar mais tarde – e promoveu um encontro emocionante na Capital alemã. “Eu
traduzi as palavras, mas não tem como traduzir as emoções daquele encontro. Fiz
questão de não informar à família quem era de fato Chico Buarque, disse apenas
que era um parente brasileiro, o que provocou um interesse legítimo em
conhecê-lo simplesmente por ser um familiar. O resto eles foram descobrindo
naturalmente”, afirma Klug.
O encontro em Berlim resultou em visitas da família
ao músico no Rio de Janeiro, e a história desde novembro está nas prateleiras
das livrarias de todo o Brasil no livro “O Irmão Alemão”, que traz um
agradecimento especial à Klug, o novo amigo de Chico.
Publicado no jornal Notícias do Dia.