Em meados de 2008, quando começou a pipocar no
Brasil a notícia de que lá fora a venda de discos de vinil vinha
aumentando exponencialmente, muita gente duvidou que o bolachão fosse de
fato voltar às estantes dos brasileiros saudosistas e mais ainda que
ganharia a atenção de jovens que usavam fraldas quando ele começou a
sair de cena por aqui. Mais de cinco anos se passaram, a única fábrica
de discos da América Latina, que estava parada, voltou a produzir,
músicos brasileiros começaram – ou voltaram – a lançar suas músicas em
LP e já não restam dúvidas de que o mercado está mesmo aquecido. A
questão agora é outra: é fácil e acessível encontrar aparelhos, novos ou
antigos, para rodar a velha novidade? E a manutenção para quem for
tirar o pó do toca-discos guardado há 20 anos, é viável?
Mais do que a vontade de trazer o velho ritual
de volta e a disposição de vasculhar, quem precisa estar preparado antes
de tudo é o bolso do colecionador mais saudosista. É entre R$150 e
R$5.800 que ele deve deixar na loja de artigos usados se quiser adquirir
um toca-discos, uma vitrola ou mesmo radiola, nem sempre funcionando
muito bem.
O vasto acervo eletrônico da loja Mania Móveis Usados, no Centro de
Florianópolis, conta hoje com aparelhos da década de 1940, como a
radiola em perfeito funcionamento que sai pela bagatela de R$4.800, até
os toca-discos mais “modernos”, da década de 1980, que ainda precisam
passar por revisão e podem ser levados para casa por R$150. Embora a
loja comercialize alguns aparelhos que não passaram pelas mãos de um
especialista em recuperação, a maior parte dos que são colocados à venda
receberam todos os ajustes necessários e dão um banho em muito produto
novinho em folha.
De acordo com Vanderlei Cordeiro, proprietário da loja, o que define o
valor de cada aparelho não é exatamente a idade dele, mas justamente
seu estado de conservação e funcionamento. Normalmente ele põe um lucro
de 100% em cima de cada um dos produtos, que chegam até ele de todas as
maneiras. “Às vezes as pessoas vêm vender aqui na loja e outras vezes
entram em contato pela internet e a gente vai na casa do cliente avaliar
o aparelho. Uma vez fui visitar um que tinha um toca-discos guardado no
armário há 20 anos e a mulher dele conseguiu convencê-lo a se
desfazer”, lembra Vanderlei, que comanda a loja há 18 anos e há sete
abriu uma filial não muito longe dali.
Há seis meses exposta no piso superior da loja, a radiola de 1960, de
madeira maciça e qualidade sonora surpreendente, ganhou, na semana
passada, uma etiqueta de vendida e está aguardando seu novo dono
retirá-la. “Apesar de ela ser cara (custava R$5.800) o comprador não é
uma pessoa rica, é gente humilde que compra porque realmente gosta”,
ressalta Vanderlei, garantindo ser um ótimo investimento.
“Hoje dia tem também esses toca-discos novos para vender por aí, mas
acho que as pessoas ainda compram esses antigos porque gostam do
barulhinho que eles fazem. A maior parte dos clientes é um pessoal que
curtiu o vinil no passado e quer reviver isso”.
Uma coisa leva à outra
Além dos próprios toca-discos, a loja de Vanderlei dispõe também de
uma vasta coleção de discos, para quem quiser sair de lá já com material
para alimentar seu aparelho. E a lógica é legítima: quanto mais
toca-discos saem, mais bolachões são vendidos. E vice-versa.
De acordo com o comerciante, a saída dos discos hoje é surpreendente e
chega a até 250 unidades por mês. “Tem gente que vem e fica meia hora
olhando, escolhendo. Vem muito cliente de fora também. O que mais sai é
rock e MPB, mas principalmente rock”, ressalta. Apesar da alta procura,
Vanderlei afirma que, em contrapartida, ainda tem muita gente querendo
se desfazer de suas coleções e dos próprios aparelhos, o que garante o
reabastecimento constante das prateleiras.
A uma quadra dali, em um dos sebos da cidade mais frequentados por
colecionadores de discos, o Elemental, a questão do gênero musical é
corroborada pelo funcionário Adriano da Rosa: os roqueiros realmente são
quem mais se interessam pelo vinil hoje. “Vem gente de todas as idades
comprar, mas os mais jovens geralmente olham mais do que levam”, afirma.
Um dos motivos para isso é o preço salgado de alguns títulos, como o
“Help” dos Beatles, original da época, que sai por R$150. Apesar de ter
elegido seu disco favorito no acervo da loja, o “Arise”, do Sepultura,
Adriano afirma que já se desfez de sua coleção e que por isso não compra
mais os títulos da própria loja. “Mas eles às vezes levam”, diz,
apontado para os colegas. O sebo costuma vender pelo menos 70 LPs por
mês.
Novinho em folha
De olho especialmente no público jovem que está descobrindo agora o
prazer de ouvir suas bandas favoritas no vinil, marcas como Teac,
Crosley e a brasileira Ribeiro Pavani estão investindo forte em
toca-discos modernos, mas com carinha retrô. Além das vendas pela
internet, algumas grandes redes de lojas de eletrodomésticos e até de
supermercados já comercializam as marcas em seus espaços físicos.
Há quatro anos representando a japonesa TEAC, especializada em
aparelhos e áudio e gravação, a distribuidora Link do Brasil percebeu um
aumento significativo nas vendas de toca-discos a partir de 2012.
“Inicialmente o público predominante era de uma faixa etária entre 50 e
65 anos, pessoas que mantiveram as suas coleções de discos durante anos e
agora viram a oportunidade de voltar a ouvi-los. Hoje, com o aumento da
produção de discos e os preços que lentamente estão caindo, isso mudou e
o jovens entre 25 e 35 anos estão entre o principal público”, explica
Sami Douek, responsável pelo setor de desenvolvimento de produtos da
Link do Brasil. A TEAC atualmente trabalha com três modelos de
toca-discos, que variam de R$ 1.800 a R$ 2.400. O mais moderno deles – e
também o mais caro –, lançado em dezembro de 2013, vem com duas caixas
acústicas destacáveis, além da tecnologia Bluetooth, que permite a
transferência de arquivos de áudio diretamente do computador ou do
celular. “Esse produto é o que eu chamo de ‘menina dos olhos’, tem um
incomparável custo benefício”, garante Sami. De acordo com ele, o
crescimento na venda de toca-discos tem registrado anualmente um aumento
de aproximadamente 30%.Entre as principais lojas que trabalham com os
produtos da TEAC estão a Fnac, as lojas Colombo, Submarino, Magazine
Luiza e Fast Shop, embora apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro eles
sejam encontrados nos espaço físicos.
Manutenção e recuperação
Mesmo com a opção de comprar um toca-discos moderno e com cheirinho
de novo, parte dos novos e velhos adeptos do LP ainda dá preferência aos
modelos antigos, e razões para isso não faltam. Há 25 anos instalada na
Lagoa da Conceição, a eletrônica Tecnotronic, comandada por Valter
Bevilacqua e o filho Yuri, viu a demanda por recuperação e manutenção de
toca-discos aumentar consideravelmente de um ano para cá. “Hoje a gente
recebe em torno de dez aparelhos por mês, da vitrolinha aos mais
modernos, sendo que uma recuperação pode levar até três meses”, conta
Yuri, responsável por dar vida nova a todos os que chegam na eletrônica.
Ele conta que aparece todo o tipo de gente na porta do estabelecimento
com todos os tipos de aparelhos em mãos, embora os mais jovens ainda
optem pelos mais simples e baratos.
Amante do vinil desde criança e não satisfeito apenas com sua coleção
que já ultrapassa 400 títulos – e que fica longe da eletrônica, onde só
um do Balão Mágico e outro do Iron Maiden circulam para testes –, Yuri
também coleciona toca-discos. O rapaz já acumula em casa 25 deles desde
começou a trabalhar com o pai, na década de 1990, quando passou ter
verdadeira adoração por eles.
Para refazer toda a estrutura dos aparelhos que recebe, desde a
restauração da madeira até a parte elétrica, Yuri afirma que é sempre
complicado conseguir as peças necessárias. “Tudo é difícil aqui no
Brasil, tenho que comprar dos Estados Unidos e é tudo muito caro, o
imposto é enorme”, desabafa. Por causa disso, uma restauração completa
custa em torno de R$350. Mesmo assim, no alto de sua experiência como
técnico e colecionador, ele garante que vale muito mais a pena recuperar
um toca-discos antigo do que comprar um novo. “Esses que fabricam agora
não são bons, são todos feitos de plástico e na China”, dispara.
Publicada no jornal Notícias do Dia.