sábado, março 01, 2014

Em cima do palco, com instrumentos em mãos, as mulheres conquistam seu espaço

Embora já não seja mais tão incomum, uma mulher em cima do palco empunhando um baixo ou uma guitarra, dominando um piano ou despejando sua fúria em uma bateria, ainda impressiona olhos menos habituados. Elas começaram quando crianças por incentivo da família, ou adolescentes para simplesmente fazer o contrário do que os pais desejavam, e hoje, já adultas, conseguiram conquistar seu espaço no cada vez mais feminino mundo da música.

Acostumada a lidar com um contrabaixo acústico maior do que ela própria, aos 23 anos a tecnóloga em edificações e estudante de arquitetura Aline Pires tenta desde dezembro se habituar ao novo ritmo de fazer parte de uma banda de folk rock. Isso porque desde os nove anos, por estímulo da família, teve formação musical clássica, primeiro no piano, no colégio Coração de Jesus, e depois no próprio contrabaixo. “Quando eu tocava em orquestras estava sempre acompanhada da partitura. Agora, na banda, tenho que decorar tudo, ainda estou me acostumando”, conta. Para poder praticar melhor em casa, já que não possui seu próprio instrumento clássico, Aline comprou um baixo elétrico, mais acessível e também mais prático para levar aos shows da nova banda, a Balcony. “Mas ainda pretendo comprar um acústico e usar nos shows”, projeta.
Única garota em meio a quatro rapazes, o jeito delicado de Aline deixa transparecer de longe outro papel fundamental que possui no grupo. “Eles dizem que precisam de uma mulher para tudo ficar mais organizado”, diverte-se, garantindo que nunca passou por nenhum tipo de preconceito. A suavidade da baixista, no entanto, não quer dizer absolutamente nada em relação à atitude das mulheres instrumentistas de uma forma geral.


Nada de delicadeza
Com um piercing no lábio, tatuagens espalhadas pelo corpo e o cabelão loiro, a simples presença da guitarrista Débora Valençay, de 26 anos, já chama atenção onde quer que ela esteja. Ao descer de sua imponente motocicleta com a guitarra pendurada nas costas, deixa a impressão de durona transparecer com ainda mais nitidez. Há apenas três anos empunhando o instrumento, Débora já experimentou o que muito veterano ainda tem como sonho distante: ela conta com mais de uma dezena de patrocínios de diversas marcas de equipamentos musicais, entre elas Tagima, Basso, ASK, Fuhrmann, SG e Bruschi Amps.  “Não é tão comum alguém conseguir tantos patrocínios, normalmente só quem é muito famoso. Mas as marcas vêem um potencial no músico, e como eu evoluí bastante em um curto período, é uma aposta que elas fizeram”, explica.
A guitarra ainda é relativamente nova na vida de Débora porque antes disso era a bateria que fazia sua cabeça, desde 2007. Durante alguns anos ela era a responsável pelas baquetas em uma banda de blues, mas a mudança constante de integrantes deixou a rotina cansativa e ela foi em busca de outro grupo para tocar. “Encontrei na internet uma banda de meninas que estava precisando de guitarrista. Eu nunca tinha tocado, comprei uma guitarra de R$200 e fui. Em seis meses eu já estava com o patrocínio da Tagima”, conta. As até então desconhecidas colegas da banda de rock clássico Pink Revolver são hoje suas melhores amigas. “Ninguém vive mais sem a outra”, garante.
Tanto na bateria quanto na guitarra, Débora deu sozinha os primeiros passos, mas até hoje estuda para se aperfeiçoar cada vez mais. Única de sua família a entrar no mundo da música, ela admite que no começo foi difícil para os pais aceitarem um futuro tão incerto para a filha. “É complicado, eu também ficaria com medo do futuro se eu não fosse ligada à música e um filho quisesse seguir esse caminho”. Hoje, Débora consegue se sustentar apenas de seu som, com shows e participações em gravações de vários artistas. Quanto ao preconceito por ser mulher, ela admite que com a Pink Revolver ainda enfrenta certa barreira em Florianópolis, mas no interior e em outros Estados, a abordagem é mais fácil. “No meio musical ainda tem gente achando que mulher não dá conta”, dispara.

Baquetas em fúria
Assim como impressionou a guitarrista Débora Valençay em um primeiro momento, a bateria também foi a escolha de Mariel Maciel e Moniky Hoffmann. Hoje com 29 anos e recém-formada em teatro, Mariel costumava frequentar com os pais, na década de 1980, um bar da Capital com música ao vivo onde viu pela primeira vez uma bateria e ficou encantada com a performance do músico que segurava as baquetas. A imagem permaneceu em sua cabeça por anos, até que aos 14 começou a fazer aulas e aos 145, pediu de presente para a mãe uma bateria. “Assim que ganhei ela uns amigos me convidaram para tocar em uma banda, minha primeira banda. Éramos todos meio ruins”, lembra. Iniciada no rock’n’roll, mais tarde Mariel chegou a ser convidada para tocar em um grupo de pagode, e apesar de considerar a ideia um tanto absurda, pediu a opinião de seu professor, que acabou lhe convencendo a topar. “Ele disse que seria uma boa experiência, então marquei um ensaio com o grupo. Mas o ensaio acabou não acontecendo e nunca mais fui atrás”, conta. Desde 2009 ela faz parte da banda folk Somato, que passa por um hiato por tempo indeterminado, e toca também com o namorado e amigos em outras duas bandas de punk rock. “É mais para não ficar parada mesmo”.
Apesar de hoje colocar todas as suas energias no comando da bateria da banda de meninas Rock Roach, a curiosidade por aprender a tocar um instrumento levou Moniky, hoje com 23 anos, primeiro para o violão, e em seguida para a guitarra. Depois de quase sete anos dedicados às cordas, ela acabou chegando à conclusão de que talvez elas não fossem seu negócio. Foi quando decidiu, aos 18 anos, migrar para detrás do bumbo, da caixa e dos pratos e acabou se encontrando por ali mesmo. “Minha mãe dizia ‘por que não toca gaita? É mais silencioso’. Eu ensaiava na hora da novela e nem ela nem os vizinhos gostavam muito”, lembra. Quando encontrou as atuais companheiras de banda, elas ainda não tinham começado definitivamente os trabalhos porque faltava exatamente uma baterista. Suprida necessidade com a entrada de Moniky, o grupo fez seu primeiro ensaio no começo de 2009 e hoje leva seu punk rock nada mulherzinha para diversos bares da região. “Nunca tivemos muita dificuldade para tocar, mas as pessoas se impressionam quando descobrem que eu toco bateria, principalmente porque sou pequena”.


Uma vida dedicada ao piano
Longe dos riffs roqueiros, a compositora Denise de Castro seguiu os passos do próprio pai quando aos 11 anos decidiu entrar nas aulas de piano do colégio Coração de Jesus, de onde não arredou pé até prestar vestibular para música na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina). Depois de formada, partiu para Portugal onde viveu por quatro anos fazendo shows e cursos de música. Hoje, aos 49, além de dar aulas de piano e canto, Denise reserva as noites para apresentar suas composições, além de clássicos da bossa nova, em bares e teatros de Florianópolis. Mesmo com a dedicação exclusiva ao piano, sua paixão pela música submerge por outros caminhos. “Também toco algo de percussão e gosto muito de sopro. Se eu pudesse, tocaria todos os instrumentos, gosto de tudo, mas é difícil se dedicar a muitos”, conclui. Ao longo da carreira como pianista, cantora e compositora, Denise já chegou a lançar dois discos, um em 1997 e outro em 2010, e recentemente ficou em terceiro lugar no primeiro concurso de marchinhas de São José.


Publicada no jornal Notícias do Dia.