Embora já não seja mais tão incomum, uma mulher em
cima do palco empunhando um baixo ou uma guitarra, dominando um piano
ou despejando sua fúria em uma bateria, ainda impressiona olhos menos
habituados. Elas começaram quando crianças por incentivo da família, ou
adolescentes para simplesmente fazer o contrário do que os pais
desejavam, e hoje, já adultas, conseguiram conquistar seu espaço no cada
vez mais feminino mundo da música.
Acostumada a lidar com um contrabaixo acústico
maior do que ela própria, aos 23 anos a tecnóloga em edificações e
estudante de arquitetura Aline Pires tenta desde dezembro se habituar ao
novo ritmo de fazer parte de uma banda de folk rock. Isso porque desde
os nove anos, por estímulo da família, teve formação musical clássica,
primeiro no piano, no colégio Coração de Jesus, e depois no próprio
contrabaixo. “Quando eu tocava em orquestras estava sempre acompanhada
da partitura. Agora, na banda, tenho que decorar tudo, ainda estou me
acostumando”, conta. Para poder praticar melhor em casa, já que não
possui seu próprio instrumento clássico, Aline comprou um baixo
elétrico, mais acessível e também mais prático para levar aos shows da
nova banda, a Balcony. “Mas ainda pretendo comprar um acústico e usar
nos shows”, projeta.
Única garota em meio a quatro rapazes, o jeito delicado de Aline
deixa transparecer de longe outro papel fundamental que possui no grupo.
“Eles dizem que precisam de uma mulher para tudo ficar mais
organizado”, diverte-se, garantindo que nunca passou por nenhum tipo de
preconceito. A suavidade da baixista, no entanto, não quer dizer
absolutamente nada em relação à atitude das mulheres instrumentistas de
uma forma geral.
Nada de delicadeza
Com um piercing no lábio, tatuagens espalhadas pelo corpo e o cabelão
loiro, a simples presença da guitarrista Débora Valençay, de 26 anos,
já chama atenção onde quer que ela esteja. Ao descer de sua imponente
motocicleta com a guitarra pendurada nas costas, deixa a impressão de
durona transparecer com ainda mais nitidez. Há apenas três anos
empunhando o instrumento, Débora já experimentou o que muito veterano
ainda tem como sonho distante: ela conta com mais de uma dezena de
patrocínios de diversas marcas de equipamentos musicais, entre elas
Tagima, Basso, ASK, Fuhrmann, SG e Bruschi Amps. “Não é tão comum
alguém conseguir tantos patrocínios, normalmente só quem é muito famoso.
Mas as marcas vêem um potencial no músico, e como eu evoluí bastante em
um curto período, é uma aposta que elas fizeram”, explica.
A guitarra ainda é relativamente nova na vida de Débora porque antes
disso era a bateria que fazia sua cabeça, desde 2007. Durante alguns
anos ela era a responsável pelas baquetas em uma banda de blues, mas a
mudança constante de integrantes deixou a rotina cansativa e ela foi em
busca de outro grupo para tocar. “Encontrei na internet uma banda de
meninas que estava precisando de guitarrista. Eu nunca tinha tocado,
comprei uma guitarra de R$200 e fui. Em seis meses eu já estava com o
patrocínio da Tagima”, conta. As até então desconhecidas colegas da
banda de rock clássico Pink Revolver são hoje suas melhores amigas.
“Ninguém vive mais sem a outra”, garante.
Tanto na bateria quanto na guitarra, Débora deu sozinha os primeiros
passos, mas até hoje estuda para se aperfeiçoar cada vez mais. Única de
sua família a entrar no mundo da música, ela admite que no começo foi
difícil para os pais aceitarem um futuro tão incerto para a filha. “É
complicado, eu também ficaria com medo do futuro se eu não fosse ligada à
música e um filho quisesse seguir esse caminho”. Hoje, Débora consegue
se sustentar apenas de seu som, com shows e participações em gravações
de vários artistas. Quanto ao preconceito por ser mulher, ela admite que
com a Pink Revolver ainda enfrenta certa barreira em Florianópolis, mas
no interior e em outros Estados, a abordagem é mais fácil. “No meio
musical ainda tem gente achando que mulher não dá conta”, dispara.
Baquetas em fúria
Assim como impressionou a guitarrista Débora Valençay em um primeiro
momento, a bateria também foi a escolha de Mariel Maciel e Moniky
Hoffmann. Hoje com 29 anos e recém-formada em teatro, Mariel costumava
frequentar com os pais, na década de 1980, um bar da Capital com música
ao vivo onde viu pela primeira vez uma bateria e ficou encantada com a
performance do músico que segurava as baquetas. A imagem permaneceu em
sua cabeça por anos, até que aos 14 começou a fazer aulas e aos 145,
pediu de presente para a mãe uma bateria. “Assim que ganhei ela uns
amigos me convidaram para tocar em uma banda, minha primeira banda.
Éramos todos meio ruins”, lembra. Iniciada no rock’n’roll, mais tarde
Mariel chegou a ser convidada para tocar em um grupo de pagode, e apesar
de considerar a ideia um tanto absurda, pediu a opinião de seu
professor, que acabou lhe convencendo a topar. “Ele disse que seria uma
boa experiência, então marquei um ensaio com o grupo. Mas o ensaio
acabou não acontecendo e nunca mais fui atrás”, conta. Desde 2009 ela
faz parte da banda folk Somato, que passa por um hiato por tempo
indeterminado, e toca também com o namorado e amigos em outras duas
bandas de punk rock. “É mais para não ficar parada mesmo”.
Apesar de hoje colocar todas as suas energias no comando da bateria
da banda de meninas Rock Roach, a curiosidade por aprender a tocar um
instrumento levou Moniky, hoje com 23 anos, primeiro para o violão, e em
seguida para a guitarra. Depois de quase sete anos dedicados às cordas,
ela acabou chegando à conclusão de que talvez elas não fossem seu
negócio. Foi quando decidiu, aos 18 anos, migrar para detrás do bumbo,
da caixa e dos pratos e acabou se encontrando por ali mesmo. “Minha mãe
dizia ‘por que não toca gaita? É mais silencioso’. Eu ensaiava na hora
da novela e nem ela nem os vizinhos gostavam muito”, lembra. Quando
encontrou as atuais companheiras de banda, elas ainda não tinham
começado definitivamente os trabalhos porque faltava exatamente uma
baterista. Suprida necessidade com a entrada de Moniky, o grupo fez seu
primeiro ensaio no começo de 2009 e hoje leva seu punk rock nada
mulherzinha para diversos bares da região. “Nunca tivemos muita
dificuldade para tocar, mas as pessoas se impressionam quando descobrem
que eu toco bateria, principalmente porque sou pequena”.
Uma vida dedicada ao piano
Longe dos riffs roqueiros, a compositora Denise de Castro seguiu os
passos do próprio pai quando aos 11 anos decidiu entrar nas aulas de
piano do colégio Coração de Jesus, de onde não arredou pé até prestar
vestibular para música na Udesc (Universidade do Estado de Santa
Catarina). Depois de formada, partiu para Portugal onde viveu por quatro
anos fazendo shows e cursos de música. Hoje, aos 49, além de dar aulas
de piano e canto, Denise reserva as noites para apresentar suas
composições, além de clássicos da bossa nova, em bares e teatros de
Florianópolis. Mesmo com a dedicação exclusiva ao piano, sua paixão pela
música submerge por outros caminhos. “Também toco algo de percussão e
gosto muito de sopro. Se eu pudesse, tocaria todos os instrumentos,
gosto de tudo, mas é difícil se dedicar a muitos”, conclui. Ao longo da
carreira como pianista, cantora e compositora, Denise já chegou a lançar
dois discos, um em 1997 e outro em 2010, e recentemente ficou em
terceiro lugar no primeiro concurso de marchinhas de São José.
Publicada no jornal Notícias do Dia.