quinta-feira, julho 01, 2010

Reino Fungi: Rock'n' roll de brechó

Um pouco acima da porta do estúdio, sem chamar a atenção dos desavisados, um quadro da capa do disco Let It Be, dos Beatles, parece ter a mesma intenção daquelas placas de boas vindas. Bem na entrada, os cinco músicos conversam animadamente sobre as andanças do novo disco que está para ser lançado. Vitor, Tiago, Hugues, Rômulo e Hesséx formam a banda Reino Fungi. O figurino, os cortes de cabelo e a moda que escolheram, evidenciam o grupo nas ruas de Joinville. Talvez se estivéssemos em 1967, na fila de um show do Roberto Carlos, ou dando uma volta pela Abbey Road, em Londres, eles poderiam se misturar aos seus semelhantes.

“Isso começou no nosso primeiro show, em 2001. A gente queria criar uma identidade, uma coisa mais de grupo, de banda, saca? Então fomos até uma loja de noivas e alugamos camisa, gravata, essas coisas”, conta o baterista Hugues Torres. O show foi no jantar de fim de ano de um clube de futebol. No repertório estava tudo o que acompanharia o grupo pelos próximos anos: Beatles, Raul Seixas e muita Jovem Guarda. Segundo Hugues, a influência para tocar o rock sessentista vem de casa. “Minha mãe é beatlemaníaca, e meu pai e a mãe do Tiago amam a Jovem Guarda”.

Há quase dez anos, quando surgiram, não havia nada atual que pudesse explicar a opção daqueles jovens. Na época, eram um quarteto de primos e irmãos, vestidos de terno e gravata de brechó, tocando músicas que poderiam muito bem ter feito sucesso 40 anos antes. Ao contrário de serem bem vistos ou considerados artistas de vanguarda, estavam mais para “retardados” fazendo algo que ninguém entendia. Mais tarde, com o surgimento de outras bandas, a ideia foi fundamentada. Em 2004, a Reino Fungi lançava seu primeiro disco.

O álbum homônimo causou alvoroço no underground catarinense e, de repente, já somavam fãs nos três estados do sul e em parte do sudeste do país. Participações em programas de televisão e o grande número de shows no estado de São Paulo fizeram a banda se mudar para a capital paulista em 2007. A mudança resultou em uma troca de integrantes e um novo disco pronto para estourar. O Reino Fungi e o Clube do Chá Dançante inseriu a banda em um rótulo difícil de ser deixado de lado. Eles passaram a ser “a banda com um som meio Jovem Guarda”.

Da garagem aos holofotes

Assistindo a um programa de televisão local em Joinville, o empresário Arnaldo Fortuna viu naqueles caras uma espécie de releitura do que viveu na década de 60. Antes de o Reino Fungi alcançar qualquer objetivo maior fora dos limites de Joinville, Arnaldo os convidou para abrir o show da dupla jovemguardista Os Vips, organizado por ele. “A gente era uma banda de porão e, de repente, estávamos tocando para a alta sociedade joinvillense”, lembra Hugues. As pessoas gostaram tanto do show que pediram se eles não poderiam voltar ao palco depois da atração principal. Passados uns dias da apresentação, Arnaldo tornou-se empresário do Reino Fungi.

Aficionado pela Jovem Guarda e fã incondicional de Roberto Carlos, Arnaldo alimenta desde muito cedo essa paixão. “Em 1967, com nove anos de idade, fui ao lançamento do longa-metragem Roberto Carlos em Ritmo de Aventura. A partir daí me tornei um admirador do movimento musical mais popular que já aconteceu no Brasil, a Jovem Guarda.”. A parceria entre o empresário e a banda durou quatro anos e, segundo Arnaldo, o contrato não foi renovado porque os garotos estavam querendo se dedicar mais aos estudos e menos à banda. “Dessa forma não precisariam mais de alguém que os orientasse para uma carreira em nível nacional.”.

A relação da banda com Arnaldo foi temperada por alguns desentendimentos, mas tornou-se uma grande escalada. Ele era focado em seus objetivos e não media esforços para chegar aonde queria, o que muitas vezes tornava as coisas complicadas para os garotos. “Mas foi bacana”, admite o baixista Vitor Torres, “foi uma época de bastante profissionalização na banda”. O guitarrista e vocalista Tiago Lanznaster se apressa a concordar. “É, o Arnaldo tinha os contatos fundamentais que uma banda precisa”.

A verdade é que muito do que aconteceu ao Reino Fungi não seria possível não fosse a audácia do jovemguardista Arnaldo Fortuna. “O Rômulo até ganhou umas rugas”, brinca Hugues enquanto o guitarrista Rômulo Plank fazia uma careta e o resto da banda caía na gargalhada. Apesar das piadas, logo todos concordaram com Hugues. “Ele amava o Reino Fungi e sempre trabalhou muito por nós. A gente tem que reconhecer isso”. A banda descobriu com Arnaldo que fazer Rock’n’roll é coisa séria. “Não é só porque é rock que tem que ser uma coisa relaxada”, dispara Vitor.

Depois que o segundo disco foi lançado, trazendo composições descaradamente jovemguardistas e regravações de Renato e seus Blue Caps, a banda foi convidada a participar de um especial dos 40 anos da Jovem Guarda na Rede Record. “Nós fomos a única banda que não participou da Jovem Guarda e que foi convidada a tocar no programa”, contam orgulhosos. Mais tarde também fizeram parte do disco tributo ao White Album dos Beatles, ao lado de artistas como Zé Ramalho, Zélia Duncan e Lobão.

Os dois anos de intervalo entre o lançamento do primeiro disco até o Clube do Chá proporcionaram novas descobertas que foram absorvidas e traduzidas em um único álbum. “Nós éramos uma banda de rock anos 60 e de repente estávamos sendo apresentados para as pessoas que faziam rock nos anos 60 aqui no Brasil”, comenta Hugues se referindo aos grandes nomes da Jovem Guarda que conheceram nesse período. “Nós tivemos a oportunidade de trocar uma ideia com o Roberto Carlos no camarim”.

Amigo próximo da cantora jovemguardista Martinha e devidamente apresentado à grande parte dos músicos que lançaram o rock no Brasil na década de 60, não havia como o ex-empresário levá-los para outra direção. “O Arnaldo veio com esse lance de fazer show do Renato e seus Blue Caps, da Martinha, Jerry Adriani. Nós estávamos imersos nesse universo musical. Não tinha como ser diferente, era só o que agente escutava e conversava”, defende Hugues.

Quem se define, se limita

Passados quatro anos desde o lançamento do Clube do Chá Dançante, a banda, que agora é um quinteto, prepara-se para o lançamento do terceiro disco. A entrada do tecladista Hesséx Cognaco já é capaz de revelar algumas mudanças. “Nesse disco, além do que a gente já carregava, há coisas novas que fomos descobrindo individualmente. No disco anterior foi uma descoberta coletiva. Nesse, foi de forma separada”, explicam.

A ideia do terceiro disco é sair um pouco desse universo exclusivamente jovemguardista e acrescentar novas influências entre as que sempre acompanharam o grupo. “Se tu ouvir o primeiro disco, vê que ele não nada a ver com Jovem Guarda”, diz Rômulo. Pensativo, Vitor dispara logo em seguida: “Mas, as pessoas podem ouvir esse e se identificar com a Jovem Guarda. É uma loucura isso!”.

O álbum, que está em fase final, tem a produção assinada pelo jovem e experiente Gabriel Vieira. “Ele é um produtor que gravou de tudo. Samba, gauchesca, orquestra”, conta Hugues. “É bacana ter uma pessoa assim na gravação do disco. O Gabriel é um cara extremamente musical e profissional”, elogia Vitor. Com 22 anos, Gabriel já produziu dezenas de bandas diferentes. Aos 14, montou seu estúdio, e com 16, produziu a primeira banda profissionalmente

Sobre o novo trabalho do Reino Fungi, Gabriel revela estar bem diferente dos anteriores. “Acho que está mais original. Novas influências contribuíram e a mescla de novos instrumentos e ritmos também”. O grupo diz que as músicas estão tão diferentes umas das outras e que o álbum pode não ser compreendido. Mas Gabriel é enfático. “Na música não existem leis. Posso citar vários discos com músicas bem diferentes, mas que se conectam. O Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, é um exemplo”.

Para o quinteto, esse trabalho é uma soma de experiências. “É como na vida. O Reino Fungi é um ser vivo. Não tinha como a gente ficar só nesse lance Jovem Guarda”. E Hugues ainda sugere: “Tem uma frase que eu li essa semana, pode por ela como título dessa nova fase do Reino Fungi”, em um gesto de enquadramento com as mãos, diz: “quem se define, se limita”.

Publicado na revista Palavra de Jornalista

Por Juliete Lunkes